Data: 11/06/2019 
  
 
Cinquenta e uma entidades, incluindo a ADUA, divulgaram, nesta segunda-feira (10),  uma nota de solidariedade ao povo Waimiri Atroari. O documento trata do projeto de construção de um linhão de energia de Manaus (AM) a Boa Vista (RR), que iria atravessar as terras tradicionais do povo Kinja, e ressalta a necessidade de que se respeite o direito constitucional dos indígenas à consulta prévia, livre e informada sobre projetos que os afetam. 
 
A nota destaca que “uma nova política do governo em relação ao povo Kinja necessariamente deveria considerar a história recente deste povo indígena, vítima do crime de genocídio, que matou mais de 2.500 indígenas” durante o processo de construção da BR-174, da hidrelétrica de Balbina e em função também da presença de mineradoras em seu território. “Com esse cuidado, outras possibilidades para garantir a segurança energética do estado de Roraima deveriam ser estudadas”, afirmam as entidades.  
 
 
Confira, abaixo, a nota na íntegra: 
 
“A lei existe para ser cumprida, sobretudo para respeitar o direito dos mais vulneráveis, protegendo-os do abuso do poder político e econômico” 
 
Linhão na terra do povo Kinja (Waimiri Atroari): a velha política contra os indígenas 
 
É justa, legítima e amparada na Constituição Federal e na Convenção 169 da OIT, a exigência dos Kinja (Waimiri Atroari) de que seja realizada a consulta livre, prévia e informada sobre o projeto de construção do linhão de Manaus/AM a Boa Vista/RR, atravessando suas terras, de acordo com o protocolo por eles construído. A lei existe para ser cumprida, sobretudo para respeitar o direito dos mais vulneráveis, protegendo-os do abuso do poder político e econômico. Ainda assim, o governo federal, em manifestação recente, anunciou que o empreendimento é de interesse da política de defesa nacional e será realizado independentemente da vontade dos indígenas. 
 
Uma nova política do governo em relação ao povo Kinja necessariamente deveria considerar a história recente deste povo indígena, vítima do crime de genocídio, que matou mais de 2.500 indígenas, por ocasião da construção da BR 174, da construção da hidrelétrica de Balbina e da mineração em seu território. Com esse cuidado, outras possibilidades para garantir a segurança energética do estado de Roraima deveriam ser estudadas, como por exemplo, a energia solar fotovoltaica, sugerida como alternativa por três especialistas em sistemas energéticos de universidades brasileiras, em nota técnica recebida pelo Ministério Público Federal (MPF/AM). Mas a tragédia que dizimou aquele povo não tem sido suficiente para sensibilizar as autoridades que insistem na velha política colonialista, intrinsecamente violenta, para impor, ao arrepio da lei, a construção do linhão. 
 
Ao contrário do que afirma o governo, o impacto ambiental da construção do linhão sobre a Terra Indígena Waimiri Atroari e consequentemente os transtornos para a vida do povo indígena são consideráveis. O projeto prevê a construção de 250 torres de transmissão com uma base de 50 por 50 metros, além do trânsito permanente de um grande número de pessoas para fazer a manutenção, implicando em desmatamento e em restrições a autonomia do povo indígena sobre o seu território, inclusive dificultando o seu controle sobre o ingresso de terceiros. 
 
Invocar força maior para burlar os dispositivos legais, muitas vezes acompanhado de atos de barbárie, tem sido uma prática recorrente dos sucessivos governos, ao longo da história, quando têm algum interesse nas terras indígenas. O atual governo, outra vez, apela para o esdrúxulo argumento do interesse da segurança nacional, também usado pelos governos militares, para justificar a construção das estradas na Amazônia, que rasgaram as terras indígenas, deixando um rastro de destruição e morte. Beira a má fé afirmar que a consulta aos Kinja sobre a construção do linhão significa um risco a integridade do território nacional ou uma ameaça de agressão externa ou interna aos interesses nacionais. É a banalização completa desse conceito, esvaziando-o de seu conteúdo. Se ele serve para tudo, deixa de servir para coisa alguma, a não ser para justificar o abuso de poder do Estado. 
 
Os indígenas, particularmente os Kinja, guardam fundo na memória o que significa em termos de violência e de usurpação de seus territórios, serem tratados pelo Estado como cidadãos de segunda categoria fadados a desaparecer. 
 
As entidades abaixo relacionadas se solidarizam com o povo Kinja nesta luta em defesa dos seus direitos ameaçados, pela reparação dos danos causados na abertura da rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista) e para que possam viver em paz no seu território e fazem um apelo para que as forças democráticas se unam em defesa da Amazônia e de seus povos, fazendo prevalecer a justiça frente ao autoritarismo do governo. No mesmo sentido, diante da iminência do povo Kinja ter, outra vez, os seus direitos violados, as entidades destacam a relevância da ação do MPF para garantir o cumprimento integral da legislação e a proteção ao povo indígena. 
 
Manaus, 10 de junho de 2019 
 
Comitê de Direito a Verdade, a Memória e a Justiça do Amazonas 
Articulação Comboniana de Direitos Humanos 
Articulação de Mulheres do Amazonas – AMA 
Articulação pela Convivência com a Amazônia – ARCA 
Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas – ADUA-SSind. 
Associações das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro – AMARN 
Cáritas Arquidiocesana da Manaus 
Cáritas Diocesana de Roraima 
Casa da Cultural do Urubuí 
Central de Movimentos Populares – CMP 
Central Sindical e Popular Conlutas – CSP – Conlutas 
Centro Migrações e Direitos Humanos – CMDH 
Coletivo de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós 
Coletivo Mura de Porto Velho 
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos de Parintins 
Comissão do Laicato – Regional Norte I 
Comissão Pastoral da Terra – CPT Arquidiocesana de Manaus 
Comissão Pastoral da Terra – CPT Diocesana de Parintins 
Comissão Pastoral da Terra – CPT/Amazonas 
Comissão Pastoral da Terra – CPT/Pará 
Comissão Pastoral da Terra – CPT/Prelazia de Itacoatiara 
Comissão Pastoral da Terra – CPT/RR 
Comissão Pastoral da Terra – CPT/Santarém 
Conselho Indígena de Roraima – CIR 
Conselho Indigenista Missionário – Cimi 
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB 
Coordenação das Organizações Indígenas do Amazonas – COIPAM 
Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno – COPIME 
Deputado Federal José Ricardo – integrante da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas 
Equipe Itinerante 
Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus – FOCIMP 
Federação Indígena do Povo Kukami-Kukamiria do Brasil, Peru e Colômbia -TWRK 
Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas – FOREEIA 
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social – FMCJS 
Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas – FAMDDI 
Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos – GEIFRON/UFRR 
Instituto Madeira Vivo – IMV 
Laboratório Dabukuri Planejamento e Gestão do Território na Amazônia/UFAM 
Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia – MAMA 
Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas – MEIAM 
Organização das Lideranças Indígenas Mura do Careiro da Várzea – OLIMCV 
Organização dos Professores Indígenas de Roraima – OPIRR 
Pastoral Indigenista da Arquidiocese de Manaus – PIAMA 
Pastoral Indigenista da Diocese de Roraima 
Pastoral Operária – PO/Manaus 
Pastoral Social da Arquidiocese de Santarém 
Rede Eclesial Pan Amazônica – REPAM 
Rede um Grito pela Vida 
Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental -SARES 
Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami – SECOYA 
União dos Povos Indígenas do Vale do Javari – UNIVAJA 
 
 
Foto: Mário Vilela/ Funai 
 
 
Fonte: Cimi 
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