Data: 30/05/2019
Daisy Melo
As pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) serão um dos pontos mais afetados com o corte de recursos imposto pelo governo Bolsonaro. O impacto é tão grande que gera um déficit de R$ 29 milhões nas contas da Universidade. Sem a verba, a instituição corre o risco de funcionar apenas até o mês de julho deste ano.
Essas informações constam no relatório “Bloqueio Orçamentário e seus impactos na universidade”, do Departamento de Orçamento da Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional (Proplan). O levantamento considera os dados até 15 de maio deste ano.
O Ministério da Educação (MEC) anunciou no dia 30 de abril que todas as universidades federais do país iriam sofrer corte de 30% nos orçamentos. A medida foi tomada após o MEC ser alvo de críticas por ter reduzido as verbas destinadas às universidades de Brasília (UnB), Federal Fluminense (UFF) e Federal da Bahia (UFBA). O corte de recursos das três instituições foi anunciado pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo. Na ocasião, o ministro disse que o bloqueio foi decidido porque as instituições estariam com dinheiro sobrando para “fazer bagunça e evento ridículo”.
Corte de 37,3% na Ufam
Do total de R$ 38,3 milhões bloqueados na Ufam, R$ 31,3 milhões são referentes a “despesas correntes”, que abrangem, entre outros itens, o custeio de projetos como Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic); Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (Pibit); Programa Atividade Curricular de Extensão (Pace); Programa de Apoio à Realização de Cursos e Eventos (Parec); monitoria e estágio obrigatório.
O corte de -20,91% nas “despesas correntes” deste ano afeta também a manutenção (água, energia, limpeza, segurança etc.) da Universidade. Considerando todos os recursos para pagamentos das despesas, a Ufam calcula um déficit de R$ 29,6 milhões, uma vez que dos R$ 84,5 milhões necessários (estimados com base no ano de 2018) a Universidade passa a ter disponível somente R$ 54,8 milhões.
Esse valor residual garante o funcionamento da Ufam apenas por mais dois meses. “Nessa perspectiva, se o bloqueio virar corte orçamentário, o montante disponível à Ufam será suficiente apenas até a julho/2019, do contrário os cortes que teriam que ser realizados para enquadrar as despesas no novo orçamento inviabilizarão as atividades da instituição”, afirma a Proplan no relatório.
Além das “despesas correntes”, a Ufam teve corte no orçamento para “investimentos”. Esse bloqueio também gera prejuízo às atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade, segundo a Proplan, “em razão da inviabilidade da aquisição de equipamentos necessários ao desenvolvimento das atividades”. Outro impacto é o risco de paralisação de obras já em andamento e com cronograma de empenho para o ano de 2019. Entre “despesas correntes e investimentos”, o orçamento da Ufam teve um corte total de 37,39%.
PEC da morte
O presidente da ADUA-SSind., professor Marcelo Vallina, ressaltou que os cortes nas universidades públicas se realizam no contexto da Emenda Constitucional (EC) 95/16 que não permite o aumento das despesas para além da inflação. “Se consideramos valores orçamentários atualizados a março de 2019, os cortes significam que a Ufam está com um orçamento em custeio e investimento similar ao de 2010. Se em termos orçamentários o retrocesso é de quase 10 anos, os prejuízos no ensino, pesquisa e extensão são incalculáveis”, disse.
Conhecida como “PEC da Morte”, a emenda foi aprovada em 2016, durante o governo de Michel Temer, e instituiu o Novo Regime Fiscal. Essa foi uma das medidas mais duras para a educação pública, pois congela os investimentos sociais (educação, saúde e assistência social) por 20 anos, utilizando como base o cálculo dos investimentos vinculados à variação da inflação. Dessa forma, o orçamento destinado às instituições de ensino fica definido apenas pelo montante executado e pago no ano anterior.
Bolsas em risco
Uma das universidades mais antigas do país, a Ufam possui 30,5 mil alunos na capital e no interior do Estado, e o registro de 19 marcas, 55 patentes, 16 desenhos industriais e 51 programas de computador. Atualmente, a produção científica da instituição é garantida por meio de 366 bolsas via Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam); 245 via Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e 561 via Ufam.
Mas, tudo isso está sob forte ameaça. Além do corte de recursos no orçamento da universidade - que já afeta a manutenção da pesquisa e da extensão -, o governo Bolsonaro determinou, no início do mês de maio, a suspensão de bolsas de pesquisas.
Somente a Ufam sofreu o corte de 32 bolsas de mestrado e doutorado. Desse total, 27 são oriundas da Capes, sendo 10 de doutorado e 17 de mestrado. Além dessas, foram retiradas uma de doutorado e quatro de mestrados da cota da Pró-Reitoria. As informações, obtidas pela ADUA-SSind, são da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (Propesp).
Ainda de acordo com a Propesp, das 10 bolsas de doutorado, seis são de Agronomia Tropical; duas de Biotecnologia e duas Ciências Pesqueiras nos Trópicos. Das 17 bolsas de mestrado, quatro são de Agronomia Tropical; duas de Ciências da Saúde; quatro de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia; uma de Enfermagem; uma de Ensino de Ciências e Matemática; uma de Física; três de Matemática e uma de Zoologia.
E esse não foi o único golpe à educação desferido pelo governo de ultradireita. Dias antes de comunicar o corte de 30% nos orçamentos das universidades, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, pelo Twitter, que o governo iria “descentralizar” recursos para áreas de humanas, como Filosofia e Sociologia, em universidades. Segundo ele, o objetivo é “focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte”, como Veterinária, Engenharia e Medicina.
No dia 29 de abril, a comunidade acadêmica da Ufam se manifestou contra essas ameaças do governo de cortes nas áreas de Filosofia e Sociologia, em ato no hall do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS). “Este é um projeto de desmonte da universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada, não por acaso as ações dos grandes grupos econômicos, que tratam a educação como mercadoria, dispararam no casino financeiro após os cortes”, comentou Vallina.
Os ataques do governo à educação e, particularmente, às universidades públicas nesses primeiros meses de gestão eclodiram com a organização de duas grandes mobilizações: o Dia Nacional da Educação (15 de maio), e o 2º Dia Nacional de Lutas em Defesa da Educação Pública (30).
No Amazonas, milhares participaram das manifestações. Foram registrados atos na capital e em municípios do Estado onde há institutos da Ufam. Aulas públicas, manifestações artísticas e passeatas foram alguns dos atos organizados por estudantes, trabalhadores e trabalhadoras da Educação, e a sociedade em geral.
Em continuidade à agenda de lutas, o ANDES-SN, a ADUA, demais entidades dos trabalhadores e trabalhadoras, movimentos sociais e populares preparam a Greve Geral de 14 de junho. O objetivo é manter as mobilizações, principalmente, contra os golpes à educação e à previdência social.
Foto: Daisy Melo
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