Daisy Melo
Docentes, técnicos e estudantes da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) dos institutos de Parintins, Itacoatiara, Coari e Benjamin Constant passarão automaticamente a integrar uma nova universidade, caso seja aprovado Projeto de Lei (PL) encaminhado para o Congresso Nacional. A comunidade reclama que, além desse processo ter sido executado sem diálogo, o governo federal está desconsiderando questões como geografia, logística e comunicação. Os professores preveem a intensificação da precarização nos institutos, que sofrem com uma série de problemas estruturais.
O envio do PL foi divulgado na mensagem n. 799 de Michel Temer (MDB), publicada no último dia de 2018, no Diário Oficial da União. O projeto prevê a alteração das leis nº 11.892, de 28 de dezembro de 2008; nº 12.706, de 8 de agosto de 2012, e nº 11.740, de 16 de julho de 2008; e cria Institutos Federais de Educação e as universidades federais do Médio e Baixo Amazonas (Ufembam) e do Médio e Alto Solimões (Ufemas).
O presidente da ADUA-SSind., professor Marcelo Vallina, afirmou que a medida resulta de uma decisão tomada de “cima para baixo, típica da relação entre tecnocratas de plantão e interesses pouco claros”. O docente questionou ainda: “Quais os argumentos para, no contexto atual de ataques à educação e às universidades públicas, criar duas novas universidades no Amazonas? Qual o impacto econômico, político, social e cultural para o desenvolvimento regional? Qual a opinião da sociedade e da comunidade universitária? Nada disto parece ser possível de responder sem um amplo debate”.
Integrante do Conselho de Representantes das Unidades (Crads), o docente Solano Guerreiro, do Instituto de Natureza e Cultura (INC), de Benjamin Constant - um dos afetados -, elencou fatores que indicam que a precariedade do trabalho deve ser ampliada. “Já estamos cheios de dificuldade fazendo parte da Ufam que tem uma estrutura de médio/grande porte, imagina de uma [instituição] nova. Já sofremos com problemas administrativos para fazer a logística e comunicação com a sede, entre interior e capital, imagina entre interior e interior”, disse.
O professor ressaltou que as regiões apresentam peculiaridades que estão sendo minimizadas no PL. “O que está no projeto que viabilizaria a logística, nós dizemos que não tem viabilidade, porque não temos transporte aéreo daqui para Coari. Temos transporte fluvial, é preciso pegar uma catraia, canoa ou lancha no meio do rio para ir até Coari. O que eles alegam que viabilizaria a questão administrativa não é verdade, porque toda a correspondência que sai daqui vai para a triagem na Central dos Correios em Manaus e só depois vai para Coari. Então, inviabilizaria mais a comunicação e os processos que venham a ser necessários para o funcionamento da instituição”, afirmou, acrescentando que outros pontos prejudicais são a falta de qualidade da internet na região e o número insuficiente de servidores previsto no projeto.
Quadro pessoal
O PL prevê a transferência automática dos cursos de todos os níveis, dos alunos e dos cargos e das funções ocupados e vagos do Quadro de Pessoal da Ufam. Conforme o documento, serão criados, “sem aumento de despesa”, para o quadro de pessoal das universidades, 107 cargos para cada uma das instituições. Desse total, 36 cargos são de nível de classificação “D”, 31 cargos de nível de classificação “E” e 40 docentes, além de Cargos de Direção; Funções Gratificadas e Funções Comissionadas de Coordenação de Curso.
Entretanto, o Ministério da Economia afirmou, em reportagem publicada no último dia 18 no portal G1, que não há previsão de autorizações de concurso público este ano para a administração pública federal. Nos últimos anos, os concursos nos órgãos do Poder Executivo Federal estão restritos em decorrência do ajuste fiscal. A Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2019, sancionada no último dia 15 pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), projeta a criação de 2.095 cargos, mas o governo não é obrigado a preencher essas vagas e a lei só indica uma expectativa de criação de cargos e de ocupação de cargos vagos.
Sedes
Conforme o PL, enquanto a Ufembam terá sede e foro em Parintins e será integrada pelos campi desse município e de Itacoatiara, a Ufemas terá sede e foro em Coari e irá abranger também Benjamin Constant. As universidades terão natureza jurídica de autarquias, vinculadas ao Ministério da Educação (MEC).
No Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia (ICET), em Itacoatiara, a discussão tem se concentrado na escolha de Parintins como sede. “Para alguns professores, pelo que pude observar, não teria problema se a sede fosse Itacoatiara, a preocupação é com o deslocamento do centro de poder. Esses mesmos professores não levam em consideração a estrutura humana, a densidade demográfica, a posição geográfica. Muitos não se deram o trabalho de saber como se dará o financiamento, a estruturação, o projeto em si para a partir dele articular uma discussão mais densa”, analisou o docente do ICET e integrante do Crads, Sandro de Jesus.
Votação do PL
A Ufam informou, por meio da assessoria de Comunicação, que a perspectiva é que o PL seja apreciado já em fevereiro. “A Presidência da República encaminhou para o Congresso no último dia 3 de janeiro. Quem deverá despachar e sugerir as comissões pelas quais a PL deve passar é a nova mesa diretora, que deve iniciar os trabalhos em meados de fevereiro”, informou a universidade. Questionado sobre o andamento do PL, o MEC limitou-se a informar que o “Executivo não trata de assuntos pertinentes ao Legislativo”. Tanto a pasta quanto a Ufam não souberam informar quais serão os parlamentares responsáveis pela apreciação do PL.
Questionada sobre o Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente (IEAA) em Humaitá, - único campus fora da sede que não foi incluído no projeto - , a Universidade informou que “conforme o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), aprovado pelo Conselho Universitário (Consuni), em 23 de novembro de 2015, para implementação no período de 2016 a 2025, um dos vetores descritos, mais precisamente o de número 07, aborda a importância da autonomia de todas as unidades fora da sede, buscando transformá-las em Universidades”.
Para o docente Solano Guerreiro, apesar da emancipação estar prevista no PDI, a comunidade acadêmica não esperava que essa decisão seria tomada de maneira vertical. “O que se pensava para o futuro é que, sim, nós queremos nos tornar independentes, mas com uma estrutura que dê condições de trabalho. Sabemos da importância de novas universidades no Amazonas, mas da forma como está sendo pensada, ainda mais precarizando com os cortes de recursos que as instituições de ensino vêm sofrendo, não é vista com bons olhos essa criação”, disse.
Um abaixo-assinado de docentes da Ufam - que são contrários a criação das universidades, mas defendem a interiorização como um projeto bem-sucedido - tem circulado na internet. Para a 2ª vice-presidente da ADUA-SSind., Milena Barroso, tanto o desmembramento autoritário como a defesa intransigente do projeto de interiorização ocorrido na Ufam, perpassam pela falta de avaliação deste processo. “Alguns pensam que foi bem-sucedido, mas de fato nunca houve debate na universidade sobre a situação da multicampia”, afirma.
O professor Sandro de Jesus compartilha da opinião de que é preciso haver diálogo entre a instituição e os servidores. “A Ufam vai cortar seus vínculos com essa parte do território, é um futuro de incertezas, afeta muito quando o processo decisório não é transparente, não leva em conta a opinião da comunidade afetada”.
Fonte: ADUA-SSind.
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