A medida cautelar foi emitida em resposta a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548, ajuizada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Em seu voto, Cármen Lúcia ressaltou que as decisões dos tribunais eleitorais e os atos administrativos das forças policiais atacam a Constituição Federal, em especial os artigos 5, que trata da liberdade de expressão, livre pensamento, organização e reunião, entre outros, e os artigos 206 e 207, que garantem a liberdade de cátedra e a autonomia universitária.
Relatora
A ministra Cármen Lúcia votou pela confirmação da liminar deferida no último sábado (27), véspera do segundo turno das eleições. “Impedir ou dificultar a manifestação plural de pensamento é trancar a universidade, silenciar estudantes e amordaçar professores”, afirmou. Segundo a ministra, a única força legitimada a invadir uma universidade é a das ideias livres e plurais. “Qualquer outra que ali ingresse sem causa jurídica válida é tirana, e tirania é o exato contrário da democracia”.
A relatora salientou que a exposição de opiniões, ideias ou ideologias e o desempenho de atividades de docência são manifestações da liberdade e garantia da integridade individual digna e livre. “A liberdade de pensamento não é concessão do Estado, mas sim direito fundamental do indivíduo que pode até mesmo se contrapor ao Estado”, concluiu.
Votos
Ao referendar a liminar, o ministro Alexandre de Moraes considerou inconstitucionais as condutas de autoridades públicas que desrespeitam a autonomia universitária. Para ele, também ferem a Constituição ações que constranjam ou inibam a liberdade de expressão e de cátedra. “[O livre debate político], realizado democraticamente e com respeito ao pluralismo de ideias no âmbito das universidades, tradicionais centros autônomos de defesa da democracia e das liberdades públicas”.
O ministro Gilmar Mendes também votou pela confirmação da liminar, propondo outras medidas para proteger a liberdade de cátedra e as liberdades acadêmicas. Ele fez um resgate histórico das diversas vezes que as universidades foram alvos de ataque. Citou a queima de livros na Alemanha, em 1933, durante a ascensão do Nazismo, a perseguição aos docentes e estudantes durante a Ditadura Militar no Brasil e destacou a ocupação militar da Universidade de Brasília (UnB), em 1964, após decisão judicial.
“Onde queimam livros, no final acabam também se queimando homens”, disse Mendes, citando Heinrich Heine.
O ministro registrou também o caso de incitação à violação à liberdade de cátedra pela deputada estadual eleita Ane Caroline Campagnolo (PSL/SC), que abriu um canal para que alunos denunciassem professores. “Mostra-se inadmissível que, justamente no ambiente que deveria imperar o livre debate de ideias, se proponha um policiamento político-ideológico da rotina acadêmica”, destacou.
Para o ministro Roberto Barroso, as decisões e ações mencionadas na ADPF extrapolaram a interpretação da lei eleitoral. Segundo ele, não se pode permitir que, a pretexto do exercício do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, se restrinja a liberdade de manifestação do pensamento, acadêmica e de crítica nas universidades, sobretudo quando essas manifestações visam preservar a democracia. “Esses atos são inequivocamente autoritários e incompatíveis com o país que conseguimos criar e remetem a um passado que não queremos que volte. Pensamento único é para ditadores e a verdade absoluta é própria da tirania”, ressaltou.
O ministro Edson Fachin destacou que o assédio cometido contra as universidades afrontam a Constituição. Ele alertou para o cerceamento prévio da liberdade de expressão, direito fundamental que, em seu entendimento, é o pilar da democracia. Ele chamou a atenção para o fato de que nenhuma das decisões judiciais menciona o direito constitucional à liberdade de expressão, pensamento, ensino e aprendizagem, muito menos a autonomia universitária, demonstrando desconhecimento ou proposital ignorância do contexto em que as sentenças foram proferidas. “Sem educação, não há cidadania. Sem liberdade de expressão e pensamento, não há democracia”, afirmou.
A ministra Rosa Weber, que também ocupa o cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ressaltou que a liminar em apreciação reafirma a Constituição Federal como norte a ser observado e destacou que a liberdade é sempre o “valor primaz” da democracia. Segundo a ministra, a Justiça Eleitoral “não pode fechar os olhos” para os direitos, as liberdades e os princípios fundamentais assegurados na Constituição, “em particular a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, o pluralismo de ideias e a autonomia didático-científica e administrativa das universidades”.
Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski observou que decisões do STF em defesa da liberdade de pensamento nas universidades não constituem novidade. Ele lembrou que, em agosto de 1964, o STF deferiu um habeas corpus para trancar ação penal contra um professor da cadeira de Introdução à Economia da Universidade Católica de Pernambuco acusado de ter distribuído aos estudantes um “papelucho” criticando a situação política do país no início do regime militar no qual afirmava que os estudantes tinham a responsabilidade de defender a democracia e a liberdade.
Por sua vez, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, afirmou que o Estado não pode cercear e desrespeitar a liberdade fundamental de expressão unicamente para aplicar a regra da Lei das Eleições, que veda a propaganda eleitoral em áreas sob responsabilidade da administração pública. Ele salientou que a universidade é, por excelência, o espaço do debate, da persuasão racional, da veiculação de ideias, o que torna intolerável a censura em suas dependências. “Todos sabemos que não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão, de comunicação, de informação, mostrando-se inaceitável qualquer deliberação estatal, seja ela executiva, legislativa ou judicial, cuja execução importe em controle do pensamento crítico, com o consequente comprometimento da ordem democrática”, afirmou.
O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, também acompanhou o voto da relatora e destacou os precedentes do Supremo citados por ela quanto à garantia da liberdade de expressão.
* Com informações e imagem do STF
Fonte: ANDES-SN
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