Data: 29/10/2018
Por Anderson Vasconcelos
“Se fere a minha existência, eu serei resistência”. A mensagem que tem sido da tônica de quem tem se posicionado firmemente nas redes sociais contra o fascismo, em virtude do crescimento da “onda” de ódio e violência após o resultado do 1º turno das eleições para presidente do Brasil, quando mais de 117 milhões de eleitores foram às urnas no 1º domingo de outubro, também pode ser a síntese do posicionamento adotado pela categoria dos professores local e nacional.
Marcado por uma polarização acentuada, boataria, desrespeito à dignidade humana e com registro de uma série casos de violência com motivação política pelo país afora, o pleito tem revelado uma forte ameaça fascista. Esse sinal, que já vem invadindo o espaço acadêmico nos últimos tempos, levando inclusive a criação de uma comissão especial para tratar sobre o tema, tem ganhado ainda mais intensidade. As universidades públicas – tidas como espaços libertários e abrigo da diversidade de saberes e da pluralidade de ideias – tornaram-se uma arena.
Por isso, a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas (ADUA-SS) e o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) repudiam veementemente o aumento da intolerância, provocada por discursos de ódio contra as minorias, partidos e a tudo que se apresenta como diverso do padrão social e culturalmente constituído.
Em nota política recém-publicada, após a reunião conjunta do Setor das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) e das Estaduais e Municipais (Iees/Imes), no dia 18 de outubro, o ANDES-SN ressalta que não vai tolerar o ódio e a violência. “A escalada da violência e a intolerância política tem sido uma tônica na atual conjuntura, com proliferação de fake news e ataques violentos organizados por grupos ligados à extrema-direita”.
“A barbárie só pode ser combatida com a máxima unidade, constituindo frentes antifascistas e pautando uma agenda de defesa ampla das liberdades e dos direitos. Por isso tudo, neste segundo turno das eleições gerais do Brasil, não podemos titubear sobre nossa posição histórica contra o fascismo e as opressões. É necessário que possamos nos posicionar contra o projeto de governo que ataca a educação pública, a saúde pública, os direitos do(a)s trabalhadore(a)s e as liberdades democráticas”, diz trecho da nota.
No mesmo texto, a categoria se posiciona contra o voto branco e o voto nulo. Através do documento, o Sindicato Nacional também convoca todas as seções sindicais a fortalecerem as lutas, nas urnas e nas ruas, para derrotar o fascismo que tem crescido na sociedade e, em especial, nas universidades.
Um dos últimos casos foi registrado na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Um estudante, que usava um boné com a marca do Movimento dos Sem Terra (MST), foi atacado por um grupo de homens aos gritos de “aqui é Bolsonaro”. Cerca de 15 pessoas vestidas com a camisa da torcida da Império, do clube Coritiba, atacaram o jovem. “De repente, o rapaz de vermelho levou um soco e quando isso aconteceu todo mundo da torcida começou a quebrar garrafas e ir para cima do cara. Uma covardia”, disse uma estudante a um jornal local. Na ação, vidros da Biblioteca Central da Reitoria foram quebrados.
Uma semana, três casos na Ufam
A Universidade Federal do Amazonas (Ufam) também entrou nesta estatística negativa. Em menos de uma semana, três casos de violência dentro da instituição já fazem disparar o alerta pela necessidade de combater essa prática. Primeiro foi um professor da Faculdade de Letras (FLet), atacado dava aula em uma disciplina do curso de Língua Espanhola. Um de seus alunos atirou uma mesa contra o docente, e, apesar de ter sido contido pela turma, ainda tentou continuar as agressões. Na ocasião, a ADUA-SS emitiu uma nota de repúdio.
“Tu é ‘Ele não’?”, perguntou um rapaz, que não foi identificado, antes de agredir uma estudante enquanto ela esperava o transporte público na entrada do campus universitário da Ufam, dois dias após a agressão sofrida pelo docente. O caso veio a público após os pais da graduanda publicarem um desabafo nas redes sociais, posteriormente divulgado por blogs e portais locais, em que contaram que o agressor feriu a perna da estudante com graveto e lamentaram os rumos que o país está tomando.
Quatro dias depois, um professor do Instituto de Filosofia, Humanas e Ciências Sociais (IFCHS) foi agredido. “Insatisfação, insegurança e medo tornaram-se sentimentos comuns na vida universitária. Nesse ambiente começam a surgir grupos de indivíduos que dão vazão a suas angústias por meio da violência. Assim é que a agressão física e verbal a estudantes, professores e professoras vem crescendo dentro das universidades”, diz trecho da nota publicada pela ADUA-SS.
Em virtude dos recentes casos de violência contra professores, inclusive em sala de aula, e estudantes da Ufam, a Seção Sindical decidiu, por meio de Assembleias realizadas nos dias 15 e 16 de outubro em Manaus, Humaitá e Parintins, criar uma frente antifascismo na instituição, com intuito de promover a defesa da democracia e da liberdade dentro e fora do Campus Universitário.
A categoria também deliberou por exigir da Administração Superior da Ufam a imediata apuração dos casos, com consequente punição dos agressores, para que a sensação de impunidade não permeie também a instituição. Os docentes também conseguiram aprovar, três dias depois, no Conselho Universitário (Consuni) da Ufam uma moção de repúdio aos ataques de motivação política.
“Em nome da autonomia do sindicato, que é marcado historicamente por sua independência em relação a governos e partidos, o ANDES-SN se posiciona contra o fascismo. E na defesa da construção de frentes únicas o fascismo, o sindicato toma lugar nesta conjuntura e assume aquilo que está previsto nos seus estatutos, que a finalidade classista e, portanto, não político-partidário”, disse o presidente da ADUA-SS, Marcelo Vallina.
O 1º vice-presidente da ADUA-SS, Luiz Fernando Souza, afirma que o fascismo é manifestação ligada com a materialidade das contradições de classes da sociedade capitalista. No plano intelectual, o pensamento burguês é, do ponto de vista da classe que vive do trabalho, reacionário. Porém, o fascismo é a expressão do reacionarismo pela via da irracionalidade, segundo o docente.
“Na conjuntura atual, esta condição da materialidade da formação da nação num contexto de crise econômica e política, explode na forma de ódio (xenofobia, misoginia, LGBTfobia, racismo, intolerância política). Para não mergulharmos no poço sem fundo da barbárie, é preciso enfrentar as forças reacionárias-fascistas e, ao mesmo tempo, enfrentar a questão nacional – sem descuidar do seu nexo com o movimento global do capital – nos termos como até aqui ela foi constituída”, afirma.
A historiadora e professora da Ufam, Patrícia Melo, analisou que estamos diante de um cenário muito complexo de desinformação, que se soma perigosamente a um antipetismo difuso de muitas origens e um bombardeio sistemático de discussão e ódio. “O fenômeno do fascismo é algo tão assustador porque vai de encontro a algo que é primário: ele ativa o desejo da projeção em função de um medo irracional, que está posto e acionado por alguém. É muito impactante saber que de cada cinco pessoas, duas, três apoiam esse tipo de pensamento. É preciso restabelecer o bom-senso”, afirma a docente, que também recebeu ameaças após assinar e divulgar uma carta, juntamente com outros historiadores do Amazonas, em defesa da democracia.
Em seu perfil no Facebook, o cientista social e professor da Ufam, Marcelo Seráfico, alerta que a promoção da violência atinge a todos, inclusive àqueles que não se percebem como vítimas dela. “Espero que a maioria das pessoas entenda que estão em jogo no Brasil duas visões de sociedade que levam a modos de agir muito distintos: o neo-fascismo, que admite o extermínio da diferença como modo de resolver conflitos, e o democrata-liberal, que aposta em instituições mediadoras. Precisamos da democratização da cultura, da política, da economia. Não de impor bloqueios a ela”, escreveu.
O sociólogo explica que o ressentimento de muitos eleitores – filtrado pela perspectiva política e econômica de Bolsonaro, ex-capitão do Exército, de seu vice, o general reformado Hamilton Mourão e do economista neoliberal Paulo Guedes – chocou o neo-fascismo e essa mistura “sinistra”, segundo Seráfico, do uso sistemático da mentira como método publicitário de fazer política e das tecnologias eletrônicas como meio de fazê-las consumidas pelas massas.
Ações pela democracia
A Comissão Anti-Fascismo, formada por docentes, estudantes e técnicos da Ufam, já está em ação. Em Parintins, a frente promoveu uma mesa sobre “A crise da educação e ampliação das desigualdades”, no dia 17 de outubro, colocando no centro do debate temas como “Escola Sem Partido x Escola Sem Mordaça”; “O Humanismo e a falta de significação”; “O Sucateamento da Universidade Pública”; e “O Neoliberalismo e a crise da educação”, entre outros.
Em Manaus, integrantes da frente marcara presença no ato “Arte na Praça, fascista não passa!”, realizado no dia 20 no Largo São Sebastião. E já preparam participação em um Ato Político Cultural, na entrada do campus da Ufam, agendado para o dia 23 de outubro. A categoria avalia que, nessa conjuntura regressiva, é preciso aumentar a mobilização e a vigilância.
Fonte: ADUA-SS
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