Data: 30/07/2018
A organização internacional Global Witness divulgou um relatório que revela um dado alarmante: a cada seis dias, um ativista que lutava por terra ou em defesa do meio ambiente foi assassinado no Brasil, em 2017. No total, foram 57 vítimas. É o maior número já registrado pela organização, que anualmente pesquisa mais de 20 países. Em todo o mundo, foram 207 vítimas no mesmo período.
No Brasil, o quadro é de crescimento dessa brutal realidade: segundo a pesquisa, em 2014, foram 29 vítimas; 50 em 2015 e 49 em 2016. São, sobretudo, mortes em locais onde há conflitos pela posse da terra.
Segundo reportagem da BBC News, a maior parte dos casos continua em investigação e ainda não foi esclarecida, de acordo levantamento junto a Tribunais de Justiça, Ministérios Públicos e Polícias Civil e Federal.
A exceção são os dois principais crimes no campo ocorridos em 2017: as chacinas de Pau D’Arco (PA), em maio, e Colniza (MT), em abril, consideradas as piores do Brasil nos últimos vinte anos.
No caso do massacre de Pau D’Arco (PA), com dez vítimas, 17 policiais militares e civis foram denunciados. A maioria deles foi presa em julho de 2017 e solta em junho passado pelo STJ (Supremo Tribunal de Justiça). Já na chacina de Colniza (MT), que teve nove vítimas, cinco pessoas foram denunciadas – parte delas está foragida. Em ambos os casos, porém, não há previsão para julgamento.
Mortes em conflitos pela posse da terra e na Amazônia
O critério da Global Witness para considerar uma pessoa como ativista é se ela atuava de forma pacífica para proteger o direito à terra ou o meio ambiente. Entram nessa categoria, por exemplo, sem-terra, pequenos posseiros e trabalhadores rurais ameaçados por madeireiros, grileiros (que ocupam terras públicas ilegalmente) ou proprietários rurais que contratam grupos armados.
Em 2017, de cada 10 homicídios registrados pela Global Witness, oito ocorreram na Amazônia Legal (que engloba a região Norte, Mato Grosso, Piauí e parte do Maranhão). Essa é, justamente, a área do Brasil com mais áreas sem regularização fundiária e em disputa. Não se tratam, porém, de mortes na floresta, mas sim em zonas desmatadas nas bordas da Amazônia, onde há interesse econômico. Principalmente, em Rondônia e no leste do Pará.
Outros números divulgados recentemente pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), instituição ligada à Igreja Católica que acompanha os conflitos no campo, também em 2017 https://www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/4371-conflitos-no-campo-brasil-2017 , com outra base de dados, revela um quadro ainda mais assustador: foram 71 assassinatos no campo brasileiro, o maior número registrado desde 2003. Destas mortes, 56 foram na Amazônia Legal, região que concentra, novamente, as mortes no campo.
Considerando as ocorrências de Conflitos por Terra e por Água na Amazônia Legal, a CPT traz mais dados: 32% dos conflitos por terra envolvem ribeirinhos, quilombolas, indígenas, seringueiros e extrativistas; 36% dos conflitos por terra envolvem sem-terra e assentados; 34% destes conflitos por terra foram causados por fazendeiros; 21% por grileiros; 19% empresário; e 8% madeireiros; e quando o assunto é conflitos por água na Amazônia Legal, 66% dos conflitos foram causados por hidrelétricas e 21% por mineradoras, empreendimentos muito presentes nessa região.
Falta de ação do Estado e impunidade
“Há três razões para esse recorde do Brasil. Em primeiro lugar, nenhum governo brasileiro jamais mostrou vontade política para enfrentar interesses econômicos e priorizar a proteção dos ativistas”, diz Ben Leather, da Global Witness. “Em segundo lugar, anos de impunidade fazem com que aqueles que buscam silenciar os ativistas acreditem que podem fazê-lo sem nenhuma consequência”, continua Leather.
Segundo ainda a Comissão Pastoral da Terra, apenas 5% dos casos ocorridos no Brasil desde 1985 foram a julgamento. “Esse clima de impunidade favorece a desfaçatez com que se mata”, concorda Ruben Siqueira, da coordenação nacional da CPT.
“Por último, as instituições que poderiam enfrentar as causas desse conflito – como o Incra e a Funai – tem sido enfraquecidas pelo governo”, completa Leather.
O advogado e integrante do Setorial do Campo da CSP-Conlutas, Waldemir Soares, destaca que o histórico fundiário no Brasil é de concentração de terras aos amigos dos governos. “Quem dá o tom para a música que será tocada pelos governantes são os ruralistas. Mesmo com a Constituição de 1988, os avanços para a desconcentração de terras não foram cumpridos em razão da ação dos ruralistas nos parlamentos. Nem demarcação, nem titulação e tampouco reforma agrária. Entra governo e sai governo e o latifúndio se mantém como se mantêm a força da burguesia agrária brasileira”, disse.
“E a concentração de terras é fato gerador da violência no campo, que se agrava com a crise do capitalismo. A falta de emprego e subsistência cria um êxodo das cidades para o campo, potencializando os conflitos. Já a forte influencia da burguesia agrária nos rincões do Brasil e nos judiciários impede investigações e condenações, bem como a retomada do Programa Nacional de Reforma Agrária, hoje estagnado. Para a redução da violência e impunidade, deveria haver uma federalização dos crimes praticados contra ativistas dos movimentos do campo”, defendeu.
O tema da violência e dos conflitos no campo serão abordados no 1° Seminário Nacional da CSP-Conlutas, que acontece no próximo dia 15 de agosto. Saiba mais aqui.
Com informações da BBC News e da Comissão Pastoral da Terra.
Fonte: CSP-Conlutas |