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O Estado brasileiro é claramente anti-indígena, afirma docente



Data: 13/10/2017

Nos dias 18 e 19 de agosto, em Dourados (MS), professores universitários de várias Instituições de Ensino Superior (IES), sindicalizados das seções sindicais da base do ANDES-SN, concentraram esforços no estudo sobre a questão indígena no país, da legislação aos mecanismos de exploração e da opressão aos quais os povos tradicionais têm sido submetidos no Brasil. Nessa segunda etapa do Curso Nacional de Formação Política e Sindical, que teve como tema Indígenas, opressão pelo viés de classe na perspectiva revolucionária, a ADUA esteve representada pelo seu 2º vice-presidente, professor Welton Oda. O docente compartilha, nesta entrevista, suas impressões a respeito do curso e reflexões sobre o papel do movimento docente na construção de alternativas e no fortalecimento da luta indígena pela liberdade, respeito e dignidade.

Desde o início do processo de formação  do país, os indígenas sempre foram colocados à margem da sociedade, quando nos remetemos à estrutura de pensamento que dominou/domina no Brasil. Essa lógica ainda persiste?

Lamentavelmente, mais de 500 anos após a invasão destas terras pelos colonizadores, essa lógica está mais viva do que nunca e o extermínio cruel e impiedoso de indígenas, que nunca cessou, hoje, com um governo claramente aliado da elite branca e genocida, se torna mais sanguinário e poderoso. O Mato Grosso do Sul, por exemplo, é a nossa Palestina. Indígenas espremem-se em estreitas faixas de terra sem água potável, sem terra para plantar, mendigando e sobrevivendo graças ao apoio de ONGs e rarefeitas políticas institucionais. Conversamos, no curso, com um grupo de indígenas que havia acabado de ser expulso de um tekohá (expressão guarani que designa as retomadas de terras), de tal modo que causaria inveja a um soldado israelense: à noite, debaixo de chuva, debaixo de tiros, com um trator arrastando casas e deixando mulheres, idosos e crianças molhadas durante toda a noite, isso no inverno.

Que mecanismos de opressão e exploração a que são submetidos os indígenas são evidentes hoje e devem ser amplamente denunciados?

O Estado brasileiro é claramente anti-indígena. Suas estruturas são controladas por multinacionais que negociam commodities e possuem extensas propriedades territoriais, por ricos latifundiários brasileiros, por indústrias multinacionais e por empresas de mineração, acobertadas pelo judiciário, por setores do Exército, que são contrários aos interesses dos indígenas e por grandes redes de comunicação, de propriedade destes mesmos grupos empresariais. Muitos adolescentes e jovens Guarani Kaiowá, em Dourados, por exemplo, são obrigados a abandonar a escola para cortar cana, trabalhar por salário de fome para seus algozes, por causa da pobreza extrema. Parlamentares e empresários (alguns deles pastores) têm subido o Rio Negro para buscar convencer indígenas sobre as vantagens da mineração. Já existem muitos deles que defendem essa prática. As igrejas cristãs, em seus diferentes matizes, prestam também grande desserviço aos indígenas, semeando, muitas vezes, o espírito do capitalismo, ou seja, a teologia da prosperidade, a moral de nossa sociedade doentia e autodestrutiva. São elas que levam determinada visão de progresso, de desenvolvimento, o que facilita a adesão de certos grupos indígenas a atividades que são nocivas ao meio ambiente e que produzem competição e outros conflitos sociais que antes não eram assim tão agudos. Igrejas chegam a impedir, em terras indígenas, certo rituais tradicionais, considerados profanos.

Com a intensificação da agenda regressiva do governo e do lobby da bancada ruralista, os conflitos envolvendo os povos indígenas não dão sinais de arrefecer. Por que os interesses do agronegócio são defendidos com tanto empenho por quem deveria proteger os povos originários?

Indígenas sempre foram tratados como estrangeiros em suas próprias terras porque nunca tivemos, verdadeiramente, um governo que não fosse, em grande medida, uma representação do poder colonial. Congresso Nacional, Executivo e Judiciário defendem interesses que não são nossos, porque são financiados pelos setores já mencionados anteriormente. Aos indígenas nunca coube, por exemplo, a administração da própria Funai. O governo de homens ricos e brancos ainda acredita que índio é para ser tutelado porque, claro, defender o meio ambiente e valores nos quais a igualdade social é a tônica é uma afronta para essa gente gananciosa, capaz de vender terras e riquezas aos estrangeiros em troca de certo status político e econômico. Falta um novo Juruna, ou dois ou três, pelo menos. Não há representação indígena no Congresso e em nenhum dos poderes. Há poucos indígenas nas universidades ainda. Falta gente branca, gente negra, de esquerda, militante, apoiando os tekohá, falta mais integração entre o MST e os indígenas, entre o movimento negro e os indígenas. Falta gritar mais alto o indígena que há em cada brasileiro.

A realização do evento em Dourados, município localizado numa região que concentra o poder do agronegócio, conflitos fundiários e desmatamento foi emblemática. A que estão sujeitos os indígenas que vivem nessa região?

A confinamento, terrorismo, à ação de pistoleiros, à miséria extrema, exploração sexual de crianças, estupros, trabalho escravo e atropelamentos, que constituem a modalidade substituta da pistolagem. Como eu disse, essa região é a Palestina Indígena! Voltei com uma dor no peito, uma angústia parecida com aquela relatada por Hannah Arendt ou pelo Primo Levi, uma espécie de vergonha de ser humano. Os Guarani Kaiowá vivem e, portanto, todos nós, brasileiros, vivemos uma tragédia humanitária. Não bastasse isso, é bastante provável que, no governo dos canalhas brancos, a situação piore.

O simbolismo dessa etapa do curso nesse local, com essa realidade, dá novo gás aos militantes engajados nessa luta?

Espero que dê novo gás sim e a disposição manifesta pelos participantes é essa. Os professores paraenses já nos convidaram para realizar uma etapa regional do curso, em Belém e outras regiões propuseram o mesmo como encaminhamento para a Direção Nacional. Quanto às diferenças regionais, lamentavelmente, as demais regiões do país vivem problemas ainda mais graves do que os povos indígenas da Amazônia. Há uma visão popular muito disseminada de que o índio do Nordeste, o índio do sudeste, não são índios de verdade e que índio mesmo é o da Amazônia. Isso foi relatado em documentários e também na fala de especialistas durante o curso.

Que experiências podem ser destacadas nesse processo de Formação Política e Sindical voltado especificamente para a questão indígena?

Na verdade, a própria direção do ANDES, bem como a da maioria dos representantes das diretorias das seções sindicais, tem clareza de que falta um envolvimento maior do sindicato com a questão. De modo muito tímido, há o financiamento de ações do movimento indígena, mas é preciso avançar. Nossa presidente, Eblin Farage, conclamou lideranças indígenas, durante o curso, a cerrarem fileiras conosco na CSP-Conlutas, que é uma central idealizada para ter esse caráter sindical e popular, com a participação de entidades dos movimentos sociais.

Qual o papel do movimento sindical na construção de alternativas para a libertação dos povos indígenas?

Não me considero parte da visão hegemônica no movimento docente e, por isso, expresso minha posição, mas já digo, para não ter ruído de comunicação, que isso representa uma visão muito particular minha. O professor universitário, mesmo quando ligado ao sindicato, ao movimento docente, é ainda um pequeno burguês, alguém com um estilo de vida que eu chamo de urbanoide, é consumista, desligado do ecologicamente correto, vive no cimento e no asfalto e tem pouca vivência em espaços sociais como os dos indígenas. Falta vivência, falta o sindicato levar o professor para dormir numa rede, na maloca, passar dias e noites entre carapanãs e piuns, mijar no mato, tomar chibé, comer biju e sair da internet ou da frente da televisão por uns dias. Sem isso, não haverá uma real compreensão das questões indígenas, sem isso não haverá empatia e, portanto, a política sindical será mais um indigenismo, aquele apoio dado ao outro e, pior, sem ouvir o outro, sem compreender o indígena. Sem aproximar-se dos indígenas no dia a dia, continuaremos a apagar incêndios, a estar presentes somente quando a polícia oprime, quando a fome ataca, quando a bomba estoura. O ANDES-SN deveria estar nas terras indígenas aprendendo com eles, é isso o que sugiro: vivenciar o problema. Enquanto, durante o curso, um dorme num hotel e come num restaurante, o outro come e dorme na aldeia. É preciso avançar nesta aproximação, é preciso vivenciar a causa indígena.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Fonte: ADUA



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