Data: 28/08/2017
A postura dos docentes em relação às opressões nas salas de aula e na universidade; a ausência de políticas públicas para a população LGBT; e a necessidade de avançar no debate sobre diversidade sexual e opressões sob perspectiva classista, também no ambiente sindical, foram abordados no 2º Seminário de Diversidade Sexual, realizado no último dia 25. O evento fez parte do Seminário Nacional Integrado do Grupo de Trabalho de Política de Classe para questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS), do ANDES-SN, realizado de 24 a 26 de agosto, em Pelotas (RS).
A professora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Qelli Rocha, abriu o debate com depoimento sobre a realidade e invisibilidade das mulheres lésbicas, inclusive frente às políticas públicas essenciais, como assistência de saúde preventiva. “A matriz heterossexista nos apaga de um campo médico da saúde preventiva, por exemplo, porque a gente não existe, porque a gente não faz sexo, ou não deveria fazer. Porque toda relação sexual é pensada a partir da heteronormatividade”, afirmou.
Segundo Rocha, o capitalismo mercantiliza as pessoas, reforçando a lógica da especificidade para fazer com que os sujeitos que não pertencem a determinado grupo não se sintam engajado e incluído na luta específica. “Eu não preciso ser heterossexual para fazer a luta classista, por outro lado eu não preciso ser homossexual para fazer a luta por direitos LGBT. Quando o capitalismo coloca essa ideia de especificidade, os sujeitos que não pertencem aos espaços específicos se sentem privilegiados, e por outro lado também se acomodam e, como não fazem parte, não se incluem na luta”, explicou.
Ela ressaltou ainda que é próprio do capitalismo estabelecer uma relação de desigualdade. “E, ao fazer com o que o outro não se reconheça em mim, sinta ódio, raiva e queira me aniquilar”, completou. Nesse sentido, a docente da UFMT reforçou que é necessário que as políticas de representação não partam do princípio de identidade. “Temos a necessidade de políticas específicas, mas a particularidade só vai ser superada na medida em que estabelecermos identidades unitárias em que eu me veja no outro, e outro possa se ver em mim”, disse.
A professora contou sobre sua experiência na universidade e da perseguição sofrida por debater as questões LGBT na instituição e montar um grupo de estudos sobre Gênero e Representatividade de Classe. Isso reforça ainda mais a necessidade de se avançar no debate do combate à LGBTfobia, inclusive para que professores saibam lidar com as opressões. “Constituir no campo da universidade, políticas de representação que atendam às demandas particulares desse segmento [mulheres lésbicas], na minha defesa, é estabelecer políticas de representação que, para além de ter como finalidade última a própria manutenção do segmento que ascendeu àquele espaço, propiciem a evidenciação do conflito e da contradição daquele sujeito no processo de ruptura com aquela norma, no caso, com a heteronormatividade compulsória”, disse.
Opressão no capitalismo
O professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), Gean Santana, provocou a reflexão sobre se existe a possibilidade de uma sociedade capitalista sem racismo, machismo e lgbtfobia. O docente aprofundou o debate sobre a dificuldade de superação da opressão do homem pelo homem, o conceito de estranhamento e apontou as contradições dentro das organizações políticas. “Militantes de movimentos segmentados, muitas vezes, reforçam estranhamentos – militantes que lutam contra a opressão do capital sobre os trabalhadores, nas relações interpessoais reproduzem o machismo. Gays, que sofrem na pele a homofobia, reproduzem a mesma prática contra lésbicas e pessoas trans, a lesbofobia e a transfobia”, exemplificou.
Da mesma forma, o docente resgatou a história da construção do debate de diversidade sexual dentro do ANDES-SN, a realização do I Seminário de Diversidade Sexual, no Crato (CE), em 2012, e a necessidade do Sindicato Nacional amplificar essas pautas. “Companheiros nossos, nos tempos de hoje, não conseguem entender a importância de dar vazão à luta contra o machismo, o racismo e a lgbtfobia. Existe dificuldade, sim, dentro das organizações de esquerda de levar esse debate adiante e a gente precisa se apropriar da produção teórica que já foi feita e apontar uma perspectiva para frente”, disse.
Santana apresentou dados sobre a evasão escolar e o suicídio na população LGBT, dentro da universidade, para destacar também a necessidade de se ampliar a discussão e o combate às opressões dentro do ambiente acadêmico. Ele destacou a cartilha de “Contra todas as formas de assédio, em defesa dos direitos das mulheres, das/os indígenas, das/os negros, dos LGBTs”, reeditada pelo ANDES-SN e afirmou: “se fizermos metade do que está aqui, já será um enorme avanço!”.
O integrante do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), Wilson Honório Silva, ressaltou que a luta contra opressão, racismo e homofobia não começa no século 20. Ele reforçou a lógica do capital de fragmentar tanto as opressões quanto as lutas com o objetivo de mercantilizá-las, sob a lógica da cidadania de mercado. “A visão mercadológica de direitos é a cara do neoliberalismo”, disse acrescentando que “dentro da lógica capitalista, a luta contra as opressões tem que ser permanente, eu não tenho a menor ilusão de que é possível acabar o machismo, o racismo, a lgbtfobia, xenofobia nos marcos do capital e esse é o grande problema das saídas individuais, da militância individual, a ideia de você pode ser livre sob o capital”, disse, destacando a presença do agronegócio, por exemplo, no financiamento da Parada Gay de São Paulo.
O representante do Ilaese destacou o papel fundamental dos professores na desconstrução do discurso hegemônico, pois segundo ele, a educação é palco para as reproduções das ideologias opressivas. “A educação sempre teve ideologia: é machista, homofóbica e racista. Todo sentido da nossa relação enquanto professor é com o estudante e o que estamos fazendo em sala de aula. Todos os ataques às nossas condições de trabalho têm relação direta com a nossa capacidade de atuação dentro de sala de aula”, afirmou. Segundo Silva, é necessário que a categoria entenda que ocupa um lugar privilegiado e até de “guerrilha”, onde é fundamental ter uma postura contra-ideológica, na perspectiva de combater as opressões e formar estudantes com outra consciência.
Silva também destacou os índices de agressões a estudantes LGBTs nas universidades, e apresentou dados que apontam que 73% dos estudantes entrevistados foram agredidos. Desses, 36% fisicamente e 60% dos alunos já faltaram à aula para fugir de assédios ou outras agressões. O representante do Ilaese também alertou para o alto índice de suicídio de estudantes e também de estupros, principalmente, nas universidades públicas. “O número de estupros é maior nas instituições públicas, porque a sensação de impunidade do estudante branco, de classe média alta, é maior”, disse.
Outro tema abordado foi a invisibilização dos LGBTs nas mais diversas áreas de produção de conhecimento e citou como exemplo Alan Turing, matemático que inventou o computador. “As ideologias são construídas pela classe dominante, mas o povo assume essas ideologias, e nossa luta como professor é desconstruir esses discursos, essa é a nossa luta cotidiana”. Wilson Silva concluiu citando Paulo Freire: “Seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitisse às classes dominadas percebessem as injustiças sociais de forma crítica”.
Fonte: ANDES com edição da ADUA |