Foto: Daisy Melo/Ascom ADUA

Fórum das Águas organizou a mobilização no mês de julho
Daisy Melo
Há 25 anos, os serviços de esgoto sanitário e abastecimento de água de Manaus foram privatizados em um processo marcado por suspensões do leilão devido a denúncias de ilegalidades. De lá para cá, a população enfrentou outros problemas como fornecimento de água com péssima qualidade; sucessivas interrupções no abastecimento e cobranças abusivas. Para protestar contra a privatização e os problemas causados a partir dela, foi realizado um protesto, no dia 25 de julho, no entorno da concessionária Águas de Manaus, responsável pela água, coleta e tratamento de esgoto na cidade. A ADUA participou do ato.
“Um processo de desestatização tão conturbado e polêmico já fazia alusão aos problemas que a concessão enfrentaria ao longo da sua trajetória, gerando revolta e indignação”, comentou o padre Sandoval Rocha, coordenador do Fórum das Águas, entidade que organizou o protesto. Para ele, a precariedade foi normalizada. “Durante quase três décadas a população padece um processo perverso em que a precariedade é assimilada como fenômeno normal”.
Durante a manifestação, Sandoval leu a “Carta de Repúdio à Privatização da Água e Esgoto em Manaus”, destacando que a insatisfação da sociedade e a negação dos serviços levaram à mobilização. “Os manauaras viram direitos fundamentais serem transformados em privilégio de poucos, aqueles que podem pagar. Neste período, os manauenses conviveram com a precariedade ou a ausência destes serviços, sem terem a quem recorrer, pois o poder concedente, a Prefeitura de Manaus, se aliou à empresa, insistindo num empreendimento que não dá certo”, destacou.
Foto: Daisy Melo/Ascom ADUA

Professor Raimundo Nonato Silva representou a ADUA no ato
Integrante do Fórum, a ADUA participou do protesto. “Esse ato é um repúdio à Águas de Manaus, porque água não é mercadoria. Há 25 anos privatizavam o fornecimento de água e esgoto na cidade. E naquele momento se prometia que haveria água em abundância, água para todos, que a rede de esgoto seria estendida para todos os bairros e que teria saneamento de primeira. Porém, isso ficou na promessa chancelada pela Câmara Municipal. Os vereadores são cúmplices da péssima qualidade do serviço oferecido para a população”, disse o docente da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e 1º vice-presidente da ADUA, Raimundo Nonato Silva.
Moradora do bairro Santa Etelvina, na zona norte, a Irmã Elza Sarmaneto reclamou da qualidade da água. “A nossa água antes saía de outra forma da nossa torneira, depois da privatização, lá na minha região que é periférica, o que sai das nossas torneiras é lama. Isso já foi provado, eu trouxe para os nossos colegas verem o tipo de água que usamos. Agora, imaginem a criança, a gestante e o idoso usando essa água”, relatou.
As empresas responsáveis pelos problemas de água e esgoto sofridos pela população de Manaus, que agem por trás do nome ‘Águas de Manaus’, foram citadas pelo integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Isaac Lima. “Quem está por trás dessa privatização? É o grande capital estrangeiro, é a empresa canadense Brookfield Asset Management, e a empresa brasileira Agea, do grupo Equipav. Os donos dessas empresas não ligam para o consumidor de Manaus. É importante que se saiba quem são os culpados dessa questão da água”, alertou. O manifestante também ressaltou a responsabilidade dos governantes. “Não podemos deixar de falar do poder público, selando essa parceria, fechando essas concessões ridículas, atendendo as pautas da burguesia nacional e internacional. Enquanto a água for vista como mercadoria e não como bem comum, a tendência é a geração de lucro, de commodities para atender o mercado financeiro”, destacou Isaac.
Manaus é a 7ª cidade entre as 20 com pior acesso ao saneamento básico, de acordo com o Ranking Nacional do Saneamento, divulgado no dia 15 de julho deste ano pelo Instituto Trata Brasil. A entidade avaliou os cem municípios mais populosos do país com base nos dados de 2023 do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa). Conforme o levantamento, a capital amazonense apresenta 97,98% de cobertura no abastecimento de água, mas apenas 28,46% da população está ligada à rede de coleta de esgoto, sendo que apenas 22,31% deste é tratado, e acumulação de perda de água é de 704,92 litros por ligação/dia.
Além disso, o investimento em saneamento básico em Manaus ficou abaixo do mínimo estimado pelo Plano Nacional de Saneamento Básico, que é de R$ 223,82 por habitante, como meta de alcance da universalização do acesso à água e ao esgoto até 2033. Entre 2019 e 2023, foi aplicado R$ 1,146 bilhão em saneamento básico em Manaus, o equivalente somente a R$ 111,13 por habitante ao ano. Na pesquisa, o Instituto destacou que os municípios das regiões Norte e Nordeste ocupam as piores posições devido, em grande parte, ao baixo investimento. Para melhoraria do quadro, a entidade defende a ampliação da aplicação dos recursos e a priorização da eficiência na gestão e operação dos serviços.
Mulheres: as mais afetadas
A péssima qualidade da água, a falta dela nas torneiras e os valores exorbitantes na conta são problemas que recaem principalmente sobre as mulheres, ressaltou a professora da Ufam, Ivânia Vieira, que participou da mobilização. “São as mulheres que adoecem com o valor da fatura, os problemas e os preços com hidrômetros. Sentem-se extorquidas. Durante o ato algumas dessas mulheres, vindas de Santa Etelvina e do Mutirão, expuserem o transtorno a que estão submetidas”. As vozes dessas mulheres muitas vezes são silenciadas para impedir um posicionamento crítico e coletivo sobre a situação, segundo Ivânia Vieira. “Prevalece a condição de sofrimento e de desespero para acessar a água em condições de consumo. Quanto ao saneamento, o quadro atual revela o pacto de acomodação que sustenta uma das piores condições de Manaus”.
A docente fez ainda questão de levantar alguns questionamentos. “O que muda? O que fazem a justiça, o governo municipal e o Legislativo para tratar da questão com a responsabilidade que merece? Por que um problema de profunda gravidade é empurrado para baixo do tapete pelas autoridades públicas?”. Ivânia lembrou que, após 25 anos, relatórios com recomendações e prazos para adequação dos serviços foram esquecidos. “O sofrimento é real, o impacto da vida das mulheres é mais pesado e a pauta das privações e dos achaques de multidão de pobres não é pautada”.
O ato foi marcado pela entonação das palavras de ordem “água para a vida e não para a morte” e distribuição de panfleto intitulado “a privatização do saneamento é exploração, enganação e exclusão social”. No informativo constavam explicações sobre o que é saneamento, tarifa social e os objetivos do Fórum das Águas. Entre as bandeiras da entidade estão a remunicipalização dos serviços de água e esgoto; água encanada de qualidade; revitalização dos rios e igarapés; esgoto sanitário acessível e eficiente; coleta e descarte de resíduos sólidos adequados; reconhecimento jurídico dos direitos da natureza, e controle e participação social na gestão de saneamento da cidade.
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