Data: 30/09/2016
Num país cujo governo carrega o lema “Pátria Educadora”, seria natural pensar que o Brasil investe aporte financeiro adequado em Educação. Mas, ironicamente, são cada vez mais escassos os recursos para a Educação. Com os sucessivos cortes de recursos das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), as universidades tornam-se dependentes de outras fontes de recursos para continuarem as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Uma delas é a emenda parlamentar – instrumento legal usado pelo Congresso Nacional para participar da elaboração do orçamento anual e aperfeiçoar a proposta de orçamento encaminhada pelo Poder Executivo.
Para 2016, recursos de quatro emendas parlamentares estão previstos para a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), totalizando cerca de R$ 1,3 milhão. Os dados são de levantamento feito pela reportagem da ADUA, que também conversou com especialistas para saber sobre as implicações deste tipo de “financiamento” para a vida da Universidade.
Dados disponíveis nos sites da Câmara e do Senado Federal mostram que, no período de 2013 a 2015, os deputados federais do Amazonas tiveram aprovadas 26 emendas parlamentares em favor da Ufam, sendo a maioria delas de autoria de deputados da bancada governista.
Em 2013, R$ 5,6 milhões foram aprovados no total. Recursos destinados, por exemplo, à aquisição de mobiliário para a Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), recém-integrada à sede da Ufam, ou ainda à expansão do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), no setor norte do Campus. No ano seguinte, outra emenda parlamentar aportou R$ 800 mil para a construção do Restaurante Universitário do campus de Benjamim Constant.
Ainda em 2014, as atividades do Internato Rural também foram beneficiadas com aporte de emenda parlamentar.
Segundo a assessoria de comunicação da Ufam, as quatro emendas parlamentares aprovadas para 2016 “serão destinadas para a reforma do atual Restaurante Universitário do Setor Sul do Campus Universitário Arthur Virgílio Filho, para complementar os recursos para a construção do novo Restaurante Universitário do Setor Sul do campus, bem como para apoiar a aquisição de equipamentos de laboratórios e para auxiliar no custeio do Internato Rural dos estudantes dos cursos de Medicina, Odontologia, Enfermagem e Farmácia”.
Reivindicação
O professor do departamento de Ciências Sociais da Ufam e doutorando do Programa de Pós-Graduação de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Antônio Oliveira, observa que certo atrelamento da Administração Superior à base governista é fato previsível, já que a maioria dos reitores das 63 universidades federais manifestaram apoio à reeleição da presidente afastada Dilma Roussef. Ainda assim, ele ressalta que “as emendas parlamentares não têm efeito absoluto”. “Nesse caso, os parlamentares, talvez movidos por algum tipo de reivindicação de agentes sociais internos à universidade, incluíram a Ufam em suas emendas parlamentares. Evidentemente que isso deve gerar algum compromisso político tácito entre o parlamentar e aquele que fomentou a emenda”, acrescenta Oliveira.
O professor chama a atenção para os riscos que a dependência desse tipo de iniciativa pode criar para a autonomia da universidade. “Abre-se, então, um enorme espaço para que se dê o proselitismo político-eleitoral. E isso não apenas do parlamentar que deve incluir na sua agenda de propaganda eleitoral as tais emendas destinadas à universidade, mas também do agente interno da universidade que deve explorar bastante o seu prestígio junto a esse ou aquele parlamentar ou governante”, explica Oliveira.
Tal iniciativa, além disso, pode criar condições para que os parlamentares influenciem as relações de poder nas universidades. “Por exemplo, um aspirante e reitor ou a diretor que tenha algum vínculo com um parlamentar X, pode se apresentar como mais viável e mais merecedor para receber os votos da comunidade universitária justamente por gozar dessas relações. E, salvo melhor juízo, isso já vem ocorrendo na Ufam”, declara Oliveira.
Perfil político
Na opinião do cientista político Carlos Santiago, as emendas representam um valioso meio de acesso ao perfil político dos parlamentares. “Na verdade, os autores dos projetos cujo alvo é a Ufam sempre tiveram afinidades com a instituição, que por sua vez é conhecida pela produção de um conhecimento crítico e pelo histórico de lutas. Por outro lado, existem políticos mais interessados em inaugurar estradas e viadutos. Ou seja, seus interesses estão voltados à iniciativa privada”, pondera Santiago, coordenador da Comissão de Reforma Política da Ordem dos Advogados do Brasil do Amazonas (OAB-AM). “Tais iniciativas indicam que a universidade está buscando caminhos para obter recursos”, complementa.
Para o professor Gilson Gil, docente do curso de Ciências Sociais da Ufam, a prática de beneficiar nichos específicos faz parte do jogo democrático. Nesse sentido, as emendas parlamentares podem ser consideradas uma forma de “retribuição” aos votos dos eleitores. “Por um lado, é importante que os parlamentares obtenham recursos para a Ufam e cidades do interior do Amazonas. Por outro lado, a sociedade sempre pode e deve fiscalizar a forma de tais recursos serem aplicados. Há toda uma dialética do eleitor/eleito que perpassa o simples cidadão e atinge até mesmo o relacionamento entre prefeitos e governadores, deputados e senadores”.
Ainda segundo Gil, no atual cenário de crise econômica, as emendas representam uma estratégia para enfrentar o ajuste fiscal que afeta os serviços públicos. “Ser capaz de formular estratégias que viabilizem ações na Universidade e manter os serviços básicos da instituição é algo que devemos louvar e estimular. Não será com fórmulas mágicas ou bravatas que este momento será superado. Mas é interessante que atitudes sejam tomadas, com pragmatismo e determinação”, complementa.
Interesses
“Longe de ser um enfrentamento (à crise econômica), a conduta dos parlamentares significa sua submissão ao Poder Executivo, casada com o oportunismo tão característico da maioria dos representantes populares”, opina o advogado e professor aposentado da Ufam, José Seráfico. Para ele, uma análise crítica das iniciativas parlamentares deve levar em conta outros aspectos, como o célebre jogo de interesses da política brasileira.
“Talvez não saibamos a quanto monta o desvio de recursos públicos oriundos dessas emendas. Mas, se considerarmos a prática recorrente de fraudes, de propinas, de carteis que decidem sobre licitações e de desvios de toda espécie, logo concluiremos pelo caráter negativo das emendas”, argumenta Seráfico.
Além disso, ele chama atenção para o valor máximo de repasses permitido pela lei orçamentária (R$ 2 milhões anuais), o que considera ínfimo em comparação aos demais recursos previstos. “Se essa tem sido uma forma de envolver os representantes populares na distribuição das verbas, também é um atentado à pretensão de democratizar o orçamento. Porque, na população, estão os recipientes da esmola oficial, à guisa de corresponder ao orçamento participativo”, critica Seráfico.
Saiba mais
As emendas parlamentares são anexadas pelos deputados e senadores à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Uma reserva de recursos é destinada a elas, devendo a proposta de lei orçamentária do ano seguinte ser enviada, até dia 31 de agosto do ano em curso, pelo Executivo.
Fonte: ADUA |