Marina Pinto tomou posse da presidência do Andes-SN em junho de 2010
Ela assumiu a presidência do Andes - Sindicato Nacional pela segunda vez. A primeira foi em 2004, quando dirigiu a entidade até 2006. Marina Barbosa Pinto tem 46 anos e é professora do departamento de Fundamentos do Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. A função foi assumida há menos de um mês, pois até então, a docente lecionava na Universidade Federal Fluminense na área de sua formação: graduação em Serviço Social, mestrado em Serviço Social pela UFRJ e doutorado em Historia pela UFF.
Para quem conhece Marina, sabe que ela é uma mulher que não esmorece, está sempre na peleia, como diríamos aqui no sul. Pois é justamente ela a escolhida para assumir a função mais relevante à frente de um sindicato que hoje é um dos grandes baluartes na trincheira de resistência aos efeitos nefastos do projeto do governo Lula para o ensino superior.
Enquanto muitos tecem loas à expansão, é o Andes-SN que ousa explicitar as contradições de um projeto atabalhoado e sacrificante para a comunidade. E é neste momento em que o governo vem com um pacote em que supostamente concederia “autonomia” às Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) que, também o Sindicato Nacional dos Docentes levanta a voz para fazer a crítica necessária.
Em entrevista, por correio eletrônico, ao Jornal da SEDUFSM, a professora Marina diz que, mais uma vez, o governo Lula, ao invés de resolver problemas antigos que afetam as universidades, como a relação entre essas e as fundações de apoio, prefere “legalizar” o que antes era ilegal. A presidente do Andes-SN rechaça a ideia daqueles que, de forma simplista, acusam o Andes-SN de ser “do contra”.
Segundo Marina, o que o sindicato defende é uma autonomia plena, verdadeira, e não o que o governo pretende, que coloca a universidade como subserviente ao processo de globalização. “A diferença é que o nosso projeto tem o povo como referência”, assegura ela. Confira:
A nova diretoria do Andes-SN iniciou seu trabalho em meio a uma série de questões graves na pauta, como por exemplo, o pacote da Autonomia Universitária. Que efeitos se percebem nessa ação do governo, que foi montada junto com os reitores, através da Andifes?
A autonomia é um dos pilares centrais da universidade. Não se trata de uma idealização. A história das universidades há quase mil anos assenta-se no princípio basilar de que essa instituição possa exercer plenamente a sua capacidade para gerar o conhecimento científico, para criar tecnologias e amalgamar e consolidar culturas, incluindo a expressão artística, que traduzam o modo de fazer e pensar humano, datado e localizado, porém com capacidade de ultrapassar-se no tempo e no espaço, ganhando dessa forma expressão humana e universal.
A autonomia moderna das universidades está calcada nos fundamentos estabelecidos, em 1808, na Universidade de Berlim, de independência em relação ao estado na realização do ensino da pesquisa e da extensão. Na América Latina, em 1918, as manifestações dos estudantes de Córdoba, na Argentina, reascenderam esses princípios que depois viriam a ser assumidos pela universidade brasileira.
Entre nós, porém, especialmente quando se trata da universidade pública, a questão assume contornos dramáticos. Com muita luta conseguimos incluir na Constituição de 1988 o Artigo 207. Contudo, na prática, as investidas contra a autonomia se mantiveram tanto nas tentativas de sua regulamentação quanto na política de limitação de recursos para o financiamento da universidade pública, o que é fundamental para garantir a própria autonomia.
Como se vê o projeto abraçado pelo governo federal, inspirado nas agências internacionais, tem a visão do ensino superior predominantemente sob o controle dos interesses privados, com proeminência da lógica de mercado. Assim, chegamos à situação atual.
Os citados decretos de autonomia, em especial a Medida Provisória que lhes dá guarida, visam estabelecer arranjos para atender as denúncias e condenações do TCU aos abusos das fundações, ditas de apoio. Digo arranjos porque o que vai acontecer na prática é que essas fundações continuarão a agir dentro da universidade, é preciso reafirmar que são entidades de direito privado, com mais desenvoltura ainda porque estarão agora convivendo com a tentativa de dar um fio de legalidade para uma relação promíscua, estruturalmente, atentatória contra o fundamento republicado de separação entre o que é publico daquilo que é privado.
Trata-se, portanto, da apropriação do público pelo privado, que aparece sob a capa da modernização de gerenciamento. A UFSM tem experiência sofrida a respeito de como os desvios acontecem. Isso não é ganho para a autonomia, antes é perda porque estará configurado o modelo de subserviência aos interesses da globalização.
A nossa luta é pela autonomia plena. O governo tem que compreender que, com a alienação dos seus pensadores e cientistas, estaremos desprezando anos de conquistas e de elaboração nacional. O nosso projeto de universidade, pois, que contrapomos ao projeto neoliberal do governo, foi feito e é mantido tendo o Brasil e o seu povo como referência. Com esse projeto, continuaremos a nossa luta.
O Ministério do Planejamento já apresentou uma minuta de projeto de lei que altera fortemente a carreira docente. No seu entendimento, quem são os beneficiados e quem são os prejudicados com a proposta apresentada?
Há tempos o governo vem adotando a prática de desconsiderar o princípio de reajuste anual para todos os servidores públicos federais, categoria em que se incluem os professores das universidades federais. De outra forma, passou a focalizar a questão salarial na reestruturação de carreiras, tratadas aos sobressaltos e em separado com cada um dos segmentos de trabalhadores do serviço público federal.
Nessa perspectiva, o governo tem imposto “acordos” desde 2005, os quais o Andes-SN tem se negado a aderir exatamente porque estão na contramão do que sempre reivindicamos. A minuta apresentada, que é claramente a síntese da intenção governamental, mantém a dissociação entre as modalidades de ensino nas instituições de ensino superior, não contempla a paridade, desvaloriza a Dedicação Exclusiva, desconsidera o aposentado, fundamenta-se no critério de produtividade, princípio tão caro aos neoliberais e patronos da globalização, desqualifica o tripé ensino, pesquisa e extensão e transforma a universidade num grande mercado de competição e demonstração de méritos individuais sem conexão com um projeto coletivo de produção do saber.
Vale dizer, à custa da perda da autonomia, portanto do fim da marca universidade pública. Não vejo a quem possa interessar. Iludem-se aqueles que pensam que poderiam ser beneficiados. A universidade não é uma empresa. Trata-se de um bem público a ser mantido como eixo central da sobrevivência cultural desta e das próximas gerações. Nesta linha, temos procurado sensibilizar a todos que vivem a universidade.
Além do mais, a proposta do governo rebaixaria salários. Por exemplo, um professor recém concursado na situação atual, com doutorado, em Dedicação Exclusiva, somando o vencimento básico com a retribuição por titulação e a GEMAS, perceberia 7.333,67. No caso da proposta de PL do governo, nas mesmas condições receberia 6.105,38.
Como o Sindicato pode interpretar a fala do secretário Duvanier Ferreira, do Ministério do Planejamento, que argumentou que não se pode ter ilusões com os aposentados, pois esses já não fazem parte da Carreira?
O secretário expressa um ponto de vista que ajudou a construir como parte da equipe governamental. Essas investidas contra os aposentados vêm desde o governo Fernando Henrique que iniciou a reforma da previdência continuada por Lula da Silva. Como disse anteriormente, trata-se de uma posição que expressa a visão corrente de que o aposentado não produz mais para a universidade e por isso não pode ter a sua ação profissional mensurada que possibilite uma retribuição correspondente à produção apresentada.
Desconsideram-se, assim, anos de trabalho, de integração na vida universitária e de elaboração cultural e intelectual e de formação de grande número de profissionais. Ademais, reflete o ponto de vista governamental de favorecer cada vez mais mecanismos de aposentadoria de acordo com a lógica de mercado. Não é por menos que está sendo anunciada a intenção de regulamentação dos chamados fundos de pensão, cujo controle estará nas mãos de grandes corporações.
É preciso também alcançar o que está por trás da exclusão dos aposentados da folha da universidade, que é a ideia do orçamento global para as universidades federais, cuja distribuição se dará de acordo com um quadro comparativo de produtividade de cada instituição, tendo como suporte avaliações de desempenho, as quais têm se mostrado insuficientes e inadequadas, além de ferirem a autonomia universitária.
Até porque, a avaliação de desempenho já está regulamentada a nível federal nos artigos 140 e sequência, da lei 11784, de 2008, prevendo condicionar a retribuição dos funcionários públicos ao atendimento de metas quantitativas fixadas de fora para dentro das instituições. Isto por si só já se destina a excluir os aposentados, burlando o principio da paridade constitucionalmente em vigor, pelo menos para a parcela do servidores públicos que ingressaram anteriormente a 2003.
Os professores devem ficar alertas, ninguém está isento, mesmo quem acha, hoje, que será beneficiado com esse bombardeio de transformações terá ao longo dos anos custos pesados que afetarão seu trabalho e que irão destruir a sua capacidade de construir com independência intelectual uma carreira pública a serviço da sociedade.
Em meio a esse quadro, a Câmara dos Deputados pode votar a qualquer momento a Reforma Universitária. O que isso pode impactar para a universidade?
A chamada reforma da universidade bem sendo objeto de ações (re)estruturantes desde o início do primeiro governo Lula. As medidas referentes à reestruturação de carreiras, o Prouni, o Sinaes, o Banco de professores equivalentes, o modelo de acesso à universidade por meio de exames nacionais de curso nada mais são do que medidas de reorganização da universidade visando adaptá-la ao modelo de universidade “eficiente e competitiva”, principalmente no caso das públicas, mantendo as instituições de ensino privado a hegemonia no setor sob o comando dos grandes empresários da educação.
Aliás, é preciso estar atento ao fato de que as universidades públicas são as mais prejudicadas com essas medidas, enquanto que as privadas avançam com o beneplácito do poder público. Ainda recentemente, dirigimo-nos ao Deputado Jorginho Maluly, relator da Comissão Especial da Reforma Universitária e autor de substitutivo aos 16 projetos da Reforma Universitária, para apresentar-lhe as nossas críticas a sua proposta.
Embora o autor tenha excluído as propostas oriundas dos setores mercantis, o substitutivo não assegura o financiamento para a universidade pública, reforça a figura do professor equivalente e impõe 70% de docentes em todos os órgãos colegiados, o que confronta a autonomia da universidade. Temos lutado contra as ditas reformas cujo objetivo nada mais é do que reajustar para adequar a universidade aos pressupostos neoliberais.
No nosso entendimento, qualquer reforma tem que ter como ponto inicial a garantia de recursos públicos para as instituições públicas. Sem financiamento adequado, essas pretensas reformas são a justificativa para que o estado se desobrigue da sua função. Por isto, continuam vivas as propostas contidas no Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira. A educação tem de ser pensada como um todo, integrando-se as modalidades de ensino de forma articulada e, sempre, de acesso universal, pública e gratuita.
Uma das deliberações do Conad de Fortaleza (55º) se refere à necessidade de “reaproximação do Andes-SN com a categoria”. Em termos práticos, o que isso significa? Não pode parecer que o sindicato se afastou dos professores?
O Andes-SN nunca esteve afastado dos professores. Nos seus quase trinta anos de existência, inicialmente como associação e desde 1988 como sindicato, tem demonstrado sua sintonia tanto com as questões que dizem diretamente respeito ao professor, à universidade e à educação pública como um todo, como com os movimentos sociais parte da nossa conjuntura.
Tanto assim que o Andes-SN constituiu-se como referência nacional exatamente pelo reconhecimento do seu trabalho sintonizado com o seu tempo. O que necessitamos é estabelecer novas abordagens. Nos últimos anos, principalmente quando foram adotadas as gratificações de produtividade, como a GED, foi imposto aos professores um ritmo de trabalho estressante ao mesmo tempo em que lhe eram impingidos os parâmetros ditados pela competição e meritocracia individual.
É sabido também que os movimentos sociais, principalmente os que não se afinaram com o receituário oficial, passaram a ser desconsiderados e até perseguidos. Chamo a atenção para o fato de que não se trata de uma situação exclusiva dos professores, atinge muitas outras categorias não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro.
Então, é necessário compreender que vivemos um momento muito difícil que exige um trabalho sistemático de diálogo com o professor, um esforço para refletirmos conjuntamente sobre a realidade do que está por trás de alguns aparentes benefícios. Um dos nossos principais objetivos é a retomada do trabalho coletivo, da discussão do fazer profissional articuladamente com as necessidades de transformação da universidade na perspectiva de um projeto de sociedade democrático a serviço de todos os brasileiros.
Um dos pontos que têm sido abordados em Congressos e Conad's do sindicato é a necessidade de unificar a classe trabalhadora. Recentemente, tivemos a experiência do Conclat, em que houve problemas, e a nova central sindical parece já ter nascido dividida. Como superar as divergências no embate com um governo que se demonstra unificado e com grande popularidade?
No tempo em que vivemos, reafirmo, tem sido difícil para a classe trabalhadora enfrentar as ações que visam dissolver qualquer posição crítica. As duas últimas décadas foram de refluxo dos movimentos sociais no Brasil e no mundo, o que abriu espaço para a onda de globalização neoliberal amparada pela grande mídia subtrair direitos dos trabalhadores. São mais que conhecidas as propostas da reforma sindical e da reforma trabalhista.
Na prática, como em tantas outras questões da órbita do governo, e isso vem desde o governo de FHC, vão sendo implementadas medidas legais que esvaziam o sindicato de base e institucionalizam o poder das centrais. A rigor, acabará cabendo à central o reconhecimento do que é sindicato.
Da mesma forma, as medidas de flexibilização traduzem o forte intervenção dos formuladores neoliberais. Enquanto isto, cresce a informalidade e aumenta a precarização do trabalho. A Central Sindical e Popular – Conlutas, criada no Conclat foge desse esquema. A nova central se apresenta como um pólo de aglutinação entre os trabalhadores, os movimentos sociais organizados e os estudantes.
Certamente há problemas e dificuldades, mas não há uma central dividida como se fossem partes justapostas. Há da parte de todos, como se viu na 1ª reunião da Coordenação Nacional da Central Sindical e Popular – Conlutas, ocorrida no início de julho, no Rio de Janeiro, a busca de ações responsáveis pela consolidação da nova central.
Nessa direção, tendo como referência as deliberações do 29° Congresso e do 55° CONAD, participamos da nova central e almejamos que os trabalhadores brasileiros encontrem na nova organização, e para isso estamos trabalhando, o eixo de sua unidade, fazendo o embate necessário em defesa do seu projeto histórico de classe, de liberdade e democracia e de realização social.
Fonte: Fritz Nunes/ Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Santa Maria (Sesdufsm) |