Foto: Bruno Kelly/ Reuters - Humaitá _setembro de 2024
O estado do Amazonas enfrenta uma grave crise ambiental com o aumento das queimadas e a seca dos rios, afetando drasticamente a vida da população. Os 62 municípios do estado decretaram emergência e, de acordo com a Defesa Civil, mais de 461 mil pessoas já foram afetadas. Em meio a essa crise ambiental e social, a comunidade acadêmica da Ufam enfrenta os desafios com efeitos sobre a saúde, o meio ambiente e a economia.
No Alto Solimões, onde está localizado o Instituto de Natureza e Cultura (INC) em Benjamin Constant, a população tem sofrido com fumaças originadas de outros locais e não da própria cidade, mas a seca é o fator mais agravante no cotidiano. Para o Serviço Geológico do Brasil (SGB), há 65% de probabilidade de o rio Solimões chegar à menor cota já observada no ponto de monitoramento da região, que é Tabatinga (AM), com números abaixo da marca de -86 cm referente à 2010.
A docente do INC, Célia Virgínia, informa que as "catráias", tipo de transporte fluvial utilizado, já estão com dificuldade de realizar deslocamento de Tabatinga para Benjamin Constant ou para outros municípios. Além disso, o preço de produtos essenciais disparou, como o garrafão de água de 20 litros, que agora custa 25 reais em Benjamin e em Atalaia do Norte passou a ser vendido por 30 reais.
O professor Solano Guerreiro, também docente no INC, ressalta que a estiagem atual é uma das maiores registradas na região, impactando a logística de transporte de mercadorias, encarecendo ainda mais os produtos. Nos relatos, a carne vermelha e a gasolina são alguns dos produtos que ficaram mais caros.
Porto de Tabatinga (AM) - do outro lado está Santa Rosa (Peru)
Ao registrar o trajeto fluvial de Benjamin Constant até Tabatinga, o estudante de Administração no INC, Thiago Bitencourt, observou que há pontos em que é possível atravessar andando, onde antes passava o rio.
Docentes e estudantes do sul do estado relataram que em Humaitá, onde está o Instituto de Educação, Agricultura e Meio Ambiente (IEAA) da Ufam, os impactos têm sido devastadores.
Desde agosto a fumaça causada pelas queimadas encobre a cidade. O estudante de Engenharia Ambiental, Del Belfort, afirmou que a situação tem se agravado devido à falta de chuvas. O estudante destaca que a região sul do Amazonas é desassistida em relação à capital, agravando a crise de saúde. "No mês de setembro só choveu uma vez, de forma branda. Crianças e idosos sofrem muito, o hospital já está lotado e por isso os mais jovens nem buscam mais atendimento médico", relata Del.
A seca também está impactando o escoamento de produtos da agricultura familiar, como na região de Manicoré. A logística para o transporte de mercadorias está prejudicada, com muitos trechos sendo percorridos a pé em áreas secas e arenosas, encarecendo os preços de alimentos como farinha e banana nos mercados locais.
Fumaça em Humaitá - Crédito: Del Belfort
A professora Ermita Rodrigues, também do IEAA, disse que Humaitá vive uma situação inédita de poluição, com dias cinzentos e baixa visibilidade. "Alunos e servidores enfrentam dificuldades respiratórias, e atividades como aulas de educação física ao ar livre têm sido canceladas", lamenta.
Além disso, há discentes do turno noturno do IEAA que trabalham em escolas rurais/indígenas durante o dia e que dependem do transporte fluvial e acabam sendo prejudicados. A fumaça também tem causado cancelamentos de voos e compromete a segurança de quem tenta viajar pela BR-319, por causa da baixa visibilidade na estrada.
“Embora, tente-se a todo custo levar uma vida dita ‘normal’, há dias que não há como. Frequentemente, recebe-se relatos de colegas com dor de cabeça, enxaqueca, dificuldades respiratórias, que aliados a problemas pré-existentes, apresentam um agravamento ainda maior. A seca e as queimadas são problemas ambientais com os quais somos obrigados a conviver e que nos afetam diretamente, dada a sua complexidade, não conseguimos vislumbrar em ter controle e apontar soluções, pois não são problemas novos, apenas uma reiteração de que estamos fadados a uma finitude que também perpassa por estas questões”, ponderou a docente Laura Miranda, que atua no IEAA.
Rua próxima ao campus do IEAA - Crédito: Laura Miranda
Em Humaitá, diariamente é emitido um boletim de previsão de tempo para a região centro-sul do Amazonas, elaborado pelo grupo de Pesquisa Interação Biosfera Atmosfera na Amazônia – GPIBA e do Laboratório de Tempo e Clima – LabTeC, coordenados por Juliane Querino e Carlos Querino, docentes do IEAA. Nos últimos dias, a informação é de que o rio continua baixando, qualidade do ar extrapolando o limite de péssimo.
Segundo o Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no Amazonas foram registrados mais de 20 mil focos de incêndios florestais, sendo que três municípios estão entre os dez com mais incidências de focos, sendo: Apuí, Lábrea e Novo Aripuanã. Os dados foram calculados considerando os focos de incêndios registrados de 1º de janeiro a 18 de setembro.
Humaitá (AM) em setembro de 2024. Crédito: Bruno Kelly/Reuters
Em Itacoatiara, o docente Wagner Gomes, que atua no Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia (Icet/Ufam), disse que em 2023 a situação foi muito pior com o impacto das queimadas porque ocorreram incêndios próximos da região, o que ainda não ocorreu este ano. “O céu da cidade amanhece ‘esbranquiçado’, mas não chega a ser sufocante como no ano passado”, afirmou o docente, acrescentado que quanto à seca, o rio está baixando bem rápido: “As comunidades estão começando a perder o acesso à cidade por barco. Um dos grandes problemas enfrentados é a falta de portos adequados para desembarque de pessoas e mercadorias. O porto que foi feito pelo DNIT desabou ano passado e está inoperante deste então”. Em Itacoatiara, além do acesso pela estrada, três portos são utilizados, sendo os pelos rios Amazonas: Jauari e Centenário (este último já inoperante), e pelo rio Urubu, o porto do Piquiá, sem boas condições de uso.
Em Manaus a fumaça é perceptível, comprometendo a respiração e afetando diretamente o bem-estar psicológico da comunidade acadêmica, incluindo docentes, estudantes e Técnico-administrativos(as) em Educação (TAEs).. Além disso, faculdades já haviam suspendido atividades ao ar livre devido à poluição do ar. O que se vê e se sente em Manaus é ainda mais grave nas cidades do interior, que estão mais próximas dos focos de queimadas e enfrentam também a severa seca, agravando a situação e os impactos na saúde e qualidade de vida das populações locais.
Diante da grave situação provocada pela seca e pelas queimadas, a Administração Superior da Ufam decidiu, pela segunda vez, suspender as aulas presenciais. Uma portaria foi emitida estabelecendo que as atividades acadêmicas ocorram de forma online no período de 19 a 21 de setembro. A Universidade do Estado do Amazonas (UEA) também tomou a mesma medida, suspendendo as aulas presenciais tanto na capital quanto nos municípios do interior, em resposta aos impactos causados pela crise ambiental.
Campus da Ufam em Manaus - Crédito: Sue Anne Cursino/ Ascom ADUA
Fonte: ADUA
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