Entusiasta da arte, da cultura e da região amazônica, o amazonense Márcio Souza, conhecido mundialmente, dispensa apresentações para um público que leu suas obras, assistiu suas peças teatrais ou mesmo que com ele compartilhou “um dedo de prosa”. Gente que viu de perto a ironia, a crítica e a palavra franca, aspectos que costuraram as linhas e diálogos entrelaçados por este intelectual, que se tornou estrela no dia 12 de agosto deste ano, como disse o professor José Seráfico sobre a morte do escritor aos 78 anos de idade.
O seu legado de arte e resistência é sutilmente aqui pincelado como uma homenagem para um filho desta terra, que em um tempo em que pouco se abordava as questões dos povos indígenas e da Amazônia na literatura, já colocava esses temas na centralidade de seus enredos, se opondo ao poder colonial e à ditadura empresarial-militar.
Nascido em 1946, em Manaus (AM), Márcio Souza foi jornalista, dramaturgo, editor, roteirista, cineasta e romancista. Filho de Dona América e de Jamacy, linotipista em vários jornais e sindicalista, de quem Márcio ouviu histórias sobre indígenas Baré e Waimiri-Atroari marcados pela brutalidade da ditadura de 1964.
Membro da Academia Amazonense de Letras, ocupava a quarta cadeira de nº 25 e, antes de sua repentina partida, atuava como diretor da Biblioteca Pública do Amazonas. Em 2022, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pelo Conselho Universitário (Consuni) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Foi em 1976, com “Galvez: Imperador do Acre”, que Márcio despontou mundialmente ao ter sua obra traduzida para mais de 17 idiomas. Com o grande sucesso, ele se tornou o “escritor que vive de direitos autorais” e teve também obras adaptadas para minisséries, como “Mad Maria” (1980), que estreou com o mesmo nome em 2005 e “Galvez”, que inspirou “Amazônia, de Galvez a Chico Mendes” (2007), ambos na TV Globo.
Oriundo de uma sólida formação educacional, ele presenteou o mundo com mais de 40 obras. Entre suas atuações na arte, também foi diretor do Tesc Amazonas (Teatro Experimental do Sesc) e escreveu as peças A Maravilhosa História do Sapo Tarô-bequê, A Paixão de Ajuricaba, Dessana Dessana, Tem Piranha no Pirarucu, As Folias do Látex, dentre outras.
Amante do cineclubismo, Márcio foi um assíduo incentivador do Grupo de Estudos Cinematográficos (GEC) e colaborador do Cineclube Tarumã, criado por professoras e ex-alunos(as) da Ufam. Realizou o longa-metragem “A Selva”, baseado no livro homônimo de Ferreira de Castro.
Em um momento em que se definiu como participante da vida cultural, aproveitou as oportunidades e assumiu postos políticos-administrativos, como os de diretor de planejamento da Fundação Cultural do Amazonas, em 1976; posteriormente de diretor do Departamento Nacional do Livro (1990) e, em seguida, de 1993 a 2003, de presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), quando contribuiu para a recuperação digital de filmes nacionais históricos (curtas e longas-metragens) e os distribuiu ao movimento cineclubista nacional. Depois ocupou a presidência do Conselho Municipal de Política Cultural de Manaus.
Repercussões
Entre as manifestações sobre a notícia de seu falecimento, está a do professor da Ufam, José Alcimar de Oliveira, que afirmou: “Uma grande perda para a literatura amazonense e brasileira. A partir da Amazônia, e desde a Amazônia de Manaus, Márcio Souza, com rara maestria estética e literária, imprimiu em sua escrita iconoclasta e acutilante um estatuto universal às contradições e miséria humanas do complexo mundo da Hiléia”.
O professor aposentado da Ufam, José Seráfico, também se manifestou em seu blog pessoal: “Se poetas não morrem, encantam-se, escritores tornam-se estrelas. Sobretudo, quando dedicam sua vida a compreender o mundo, espaçoso ou limitado à sua aldeia. Márcio Bentes de Souza enriquece, neste dia, a constelação que, pouco percebida, cabia na observação de Tolstoi. O autor de ‘Galvez, Imperador do Acre’ e ‘A expressão amazonense’, dentre outras obras, sabia e dizia de sua província, ajudando-nos a compreender o Mundo”, afirmou.
Márcio também teve grandes amigos, dentre eles o docente aposentado da Ufam, José Ribamar Bessa Freire que, diante da notícia da partida de Márcio, relembrou a sua contribuição também para o jornal Porantim, do Cimi: “Márcio olha a Amazônia com a ajuda de grandes pensadores. Mas vai além. Com olhos bem abertos para dentro e para fora da região, constrói a sua legitimidade para o debate, à maneira dos cronistas, não apenas a partir da leitura de livros, mas incorporando sua experiência pessoal na leitura da floresta, dos povos que nela vivem e das cidades erguidas dentro dela nos últimos quatro séculos”.
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