Data: 20/05/2016
Aprovada por unanimidade em reunião do Conselho Universitário (Consuni) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), realizada no dia 17 de maio, uma resolução que proíbe o trote na instituição divide opiniões no que diz respeito ao teor e à relevância da medida. Em meio ao breve recesso acadêmico, a reportagem da ADUA entrevistou discentes e representantes de setores da instituição para avaliar o impacto dessa iniciativa.
Para o conselheiro e estudante do curso de Filosofia Aldair Marialva, que votou a favor da proibição, o objetivo é eliminar uma prática que esconde conflitos de classe. “O trote é uma tradição na qual os ingressantes são considerados inferiores aos veteranos, como selvagens que devem enfrentar um ritual de passagem para ser admitidos na sociedade civilizada”, exemplifica. “O chamado ‘trote solidário’ funciona como um disfarce para a violência, mas a agressão acaba surgindo numa dimensão maior”, explica Marialva.
Já a aluna do 7º período de Biologia Thaís Amaral considera a resolução fora de propósito, uma vez que há questões mais importantes a serem tratadas. “A vigilância diminui neste período de férias, e há pessoas que se disfarçam de estudantes para entrar nas salas de aula e roubar”, argumenta. “Em nosso curso, os trotes são ‘opcionais’ e não-violentos. Não conheço casos de trote violento na Ufam”, acrescenta o colega do 9º período Lucas Falcão.
Na opinião da estudante Ana Carolina Bastos, do 3º período de Letras-Língua Inglesa, a medida acaba inibindo atividades que podem beneficiar interesses comuns. “Não teremos a oportunidade de mostrar o ‘lado bom’ do trote. Planejávamos fazer visitas a instituições que abrigam crianças carente, por exemplo. Também pretendíamos começar uma ação intitulada ‘Adote um Calouro’, que consiste em mostrar aos recém-chegados como a instituição funciona”, explica Bastos, que também atua como vice-diretora do Centro Acadêmico de Língua Inglesa (Calli).
“Não gosto de trotes e existem pessoas que também não concordam com essa prática. Um grupo de estudantes do Instituto de Ciências Exatas já teve os cabelos cortados. Não acho isso legal”, diz Fábio Nunes de Souza, que cursa o 5º período do bacharelado em Física.
Denúncia
A iniciativa surgiu a partir de uma minuta enviada pela Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (Proeg) aos conselhos superiores, no início do ano passado, que propunha a regulamentação dos trotes na universidade. No documento, constava a denúncia da mãe de uma aluna de um curso da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia (Feff), que, mesmo alegando problema oftalmológico, teria sido obrigada a participar de um trote. De acordo com a denunciante, a aluna passou mal e foi socorrida por três colegas de curso.
Os fatos começaram a ser apurados no âmbito da unidade acadêmica. O processo seguiu para o Departamento de Saúde e Qualidade de Vida (DSQV), da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progesp), sendo então encaminhado à Proeg.
Acolhida
O titular da Proeg, Lucídio Rocha Santos, afirma que esta é a primeira denúncia relativa ao tema ocorrida ao longo de três anos, período em que responde pela Pró-Reitoria. “Tentamos estabelecer os limites entre o que é agressão e o que não é. Quem planeja essas atividades acredita que não está fazendo nada de errado. Porém, qual a opinião dos alunos que acabaram de chegar? ”, indaga Santos.
Ele ressalta o papel das unidades na tarefa de conscientizar os alunos. “Entendemos que, nos primeiros dias de aula, a tarefa de recepcionar os alunos cabe às unidades acadêmicas. Após duas semanas, a Proeg promove uma série de atividade que inclui exposições artísticas, de fotografias e incentivo à prática de atividades físicas”, explica o pró-reitor.
Além da Proeg, a reportagem também procurou outras instâncias que acolhem manifestações do público da Ufam, como a Ouvidoria e o Departamento de Apoio ao Estudante (Daest), vinculado à Progesp, para verificar a existência de reclamações ou denúncias sobre o trote na universidade. Nesses dois canais não há nenhum registro sobre a questão.
“De qualquer modo, a Ufam dispõe de um centro para recebimento de calouros que se sintam prejudicados no ato da recepção. É só fazer o registro e nós damos os encaminhamentos necessários”, diz a diretora interina do Daest Nazareth Picanço.
Resolução
Conforme a Resolução N.°006/2016 do Consuni, trote é “qualquer manifestação promovida contra acadêmico na universidade que atente contra sua integridade física, moral e/ou psicológica, representando coação, humilhação, discriminação, intolerância, extorsão ou risco potencial para os acadêmicos ou outros membros da comunidade universitária, bem como promova, cause ou resulte em atos lesivos ao patrimônio público ou privado”. A norma está em vigor desde o dia 17 deste mês.
Fonte: ADUA |