O Future-se, projeto de mercantilização das universidades públicas proposto pelo governo Bolsonaro, foi debatido no dia 31 de outubro na Comissão de Educação, por representantes do governo e de entidades ligadas a universidades e estudantes.
O debate foi presidido pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN), que, após ouvir os convidados, posicionou-se contrário ao projeto. Para ele, apesar das mudanças já feitas, o "Future-se" continua com premissas políticas e ideológicas equivocadas.
"O MEC [Ministério da Educação ] diz que independentemente do Future-se está mantendo a autonomia e o orçamento, ou seja, ele seria apenas uma receita extra, para abrir mais possibilidades. Mas, na verdade, estão abalroando a gestão, a autonomia, a estrutura organizacional, o regime dos servidores, a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação", criticou.
No requerimento de realização da audiência, Jean Paul lembrou que a adesão das instituições de ensino é voluntária, “mas o governo afirma que quem aderir terá mais flexibilidade para realizar despesas”. O senador também acusou o MEC de impor, sem o necessário debate, uma reforma empresarial da educação.
"A proposta fragiliza a função social das universidades e dos institutos federais de educação, mantém ameaçada a manutenção das instituições, inviabiliza o processo de democratização do acesso ao ensino superior público e abre um horizonte de incertezas para a produção científica e tecnológica".
Autonomia
O Future-se foi defendido na audiência pelo diretor de Desenvolvimento da Rede de Instituições Federais de Educação do MEC. Wagner Vilas Boas de Souza antecipou que, na próxima semana, o MEC deve abrir a consulta pública e a previsão é de que encaminhe o texto final ainda neste ano ao Congresso.
Ele afirmou que mais de 33 mil pessoas opinaram na pré-consulta e a partir das contribuições o texto passou por uma completa revisão. De acordo com Souza, uma alteração relevante foi no primeiro pilar, que previa gestão, a governança e o empreendedorismo.
"Isso incomodou os gestores, preocupados com a preservação da autonomia. Então na versão final os três pilares são: pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação; empreendedorismo; e internacionalização [foram retiradas gestão e governança]".
Orçamento
Pelo projeto, as receitas do fundo patrimonial do Future-se vêm de doações, investimento, locação ou alienação de bens ou deixados em testamento, contribuições associativas e doações, entre outras fontes. O representante do MEC também frisou que o texto (art. 25) deixa muito claro que as receitas vindas do projeto são adicionais, ou seja, não substituem as dotações orçamentárias regulares previstos na Constituição (art. 212) e na Lei 9394/1996 (art. 55).
O Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, refutou a alegação de que o projeto não tira o que já está garantido para a universidade. Na prática, segundo ele, a redução em 18% do orçamento do MEC para o ano que vem e em quase 50% o da Capes sinaliza que as universidades terão de buscar recursos por fora caso o Orçamento de 2020 seja aprovado como está. Montalvão reclamou que o projeto, em vez de cunho pedagógico, mostra um viés mercadológico.
"A universidade não é um gasto, ela é um investimento para a sociedade. É a universidade que vai tirar o Brasil dessa dependência de vender commodities e exportar tecnologia", disse.
Para o presidente da Une, o projeto pressiona as universidades induzindo-as pelo viés do desempenho e da premiação. "Caso determinadas universidades não cumpram ou não assinem o contrato do Future-se, perderão financiamento, investimento e a valorização", afirmou.
Privatização
A explicação do MEC também não convenceu a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), para quem o objetivo do Future-se é tirar os investimentos e desidratar as universidades pela falta de dinheiro. "A educação sofre, perde qualidade, aí depois é só privatizar – que é o que realmente eles querem. Privatizar universidades que ganham prêmios internacionais, institutos federais que dão ensino médio de qualidade. É um projeto bilionário para destruir o Ensino Médio e o Ensino Superior gratuito", declarou.
O coordenador do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), Carlos Lobão, também reclamou de a proposta descaracterizar a dedicação exclusiva dos professores. Para ele, o Future-se modifica a destinação dos hospitais universitários e subordina as pesquisas ao interesse do mercado, além de ampliar a competição entre professores e alunos.
"O projeto quer dar um choque de neoliberalismo nas instituições federais de ensino superior para destruir o que chamam de reduto de esquerda, acabando com as carreiras dos servidores, com a política de reparos sociais, e ainda desresponsabiliza o estado com a educação", disse.
Doações
O vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Edward Brasil, falando sobre a autonomia financeira, apontou que, mais do que um projeto como o Future-se, é preciso adequar a legislação. O recebimento de doações, hoje vedado, e o uso da receita própria foram alguns dos pontos citados por ele. "A Universidade arrecada, consegue recurso adicional, mas esse recurso é restringido pelo teto dos gastos".
Para Edward Brasil, o grande impedimento do setor está na Emenda Constitucional 95 (Novo Regime Fiscal), porque ela impede que o financiamento das universidades seja adequado às complexidades desse segmento. Outro entrave seria a falta de cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), especialmente a meta 20, que prevê a expansão do financiamento público em educação pública para 10% do Produto Interno Bruto (PIB).
Fonte: Agência Senado com edição da ADUA-SSind.
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