Discentes da Ufam protestam contra a falta de verbas. Crédito: DivulgaçãoICSEZ
Daisy Melo
Com sucessivos cortes ao longo dos anos, o orçamento da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) chegou, no ano de 2022, a um valor R$ 318 milhões inferior ao necessário, considerando a relação entre a receita e o número de matrículas na instituição em 2021. A informação consta no estudo “Financiamento das Universidades Federais no Brasil entre 2010 e 2022: uma abordagem preliminar”, divulgado no dia 15 de fevereiro deste ano. O levantamento foi encomendado ao Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) pelo ANDES-SN com o objetivo de subsidiar a luta em defesa das universidades públicas.
A pesquisa faz um mapeamento do repasse dos recursos para a Ufam e as demais 68 instituições de Ensino Superior públicas no período de 2010 a 2022, tanto em valores nominais e reais, e ainda apresenta o investimento por estudante e a estimativa do valor ideal para manter o pleno funcionamento das universidades. O estudo teve como base os recursos do Orçamento Geral da União e não considerou outras fontes de financiamento como recursos próprios e emendas parlamentares.
Sobre a Ufam, a pesquisa revela ainda que o orçamento sofreu, em termos reais, queda de 19% no período de 2018 a 2022, saindo de R$ 1.084,97 bilhão para R$ 878,27 milhões. “Há uma queda nos investimentos em 2015 e nos anos seguintes até uma retomada em 2018, ano de maior recurso real empenhado, mas com quedas nos anos seguintes até 2022, corroborando com o que de fato ocorreu nos últimos anos, um desinvestimento acadêmico por parte do governo [Bolsonaro]”, explica o Dieese.
Há anos o ANDES-SN denuncia o processo de sucateamento das universidades públicas, destaca o 1º vice-presidente da ADUA, Aldair Oliveira de Andrade. “Reduzir orçamento é, sob certa medida, instalar um projeto de desestruturação e aniquilamento em que entre os impactos imediatos está tornar inviável a prestação de serviços de qualidade da universidade, e em longo prazo instalar uma cultura em que o Estado se afasta mais de seu papel e a comunidade de algum modo vai assimilando esse processo, naturalizando-o”.
Empenho por estudante
A retração nos recursos fica mais explícita quando se percebe a redução de 23%, em termos reais, nos investimentos por estudante da Ufam entre 2010 e 2021. O empenho real por aluno(a) despencou de R$ 39.268 mil em 2010 para R$ 30.331 mil no ano de 2021. Para 2022, o valor de investimento por estudante estimado pelo estudo do Dieese – considerando a relação entre a receita de 2022 e o número de matrículas de 2021 – foi de mais queda, chegando a R$ 28.827 mil.
Para manter o patamar de despesa por matrícula de 2010, ano em que foi registrado o maior valor real repassado pela União no período analisado, o Dieese calculou que a Ufam recebeu R$ 318 milhões a menos que o necessário no ano de 2022. Ou seja, a universidade teve R$ 878.265.265 milhões como real valor empenhado, quando o ideal para manter o investimento por estudante era de R$ 1.196.386.799 bilhão, uma diferença de 26,6%.
“O cálculo de quanto seria necessário repassar à cada universidade para manter esse patamar de despesa por matrícula nos revela uma situação alarmante, pois em todas as universidades analisadas o valor diminuiu acentuadamente. Esse é um ponto que precisa urgentemente ser revisto pelo governo”, destacou o Dieese.
A redução dos recursos provoca uma diminuição na capacidade de financiamento da universidade, tendo como consequência a precarização e a perda de qualidade na instituição. Isso é evidenciado com a relação matrículas versus docentes, que saltou de 13,9 em 2010 para 15,4 em 2021. Em termos de Técnico-administrativos(as) em Educação (TAEs), a relação era de 14,9 por aluno(a) no ano de 2010 e passou para 16,4 em 2021. Técnicos do Dieese destacam que é preciso adequar essa relação para que não se tenha defasagem do quantitativo de docentes e de funcionários(as) em relação ao número de estudantes.
Senado Federal, Censo da Educação Superior e IBGE
O 1º vice-presidente da ADUA destaca que a Seção Sindical tem de forma reiterada se posicionado contra essa política em que o Estado reduz o investimento e aumenta o número de discentes a serem atendidos(as). “O resultado dessa aberração contábil mais imediato é o completo esfacelamento da oferta de condições adequadas de trabalho e de manutenção saudável dos e das discentes na Universidade. Um espaço universitário que não apresenta condições adequadas de existência de sua comunidade é um espaço que tende a ser rejeitado”.
Sobre essa situação, o diretor da ADUA afirma que é crescente o descontentamento de docentes, técnicos(as) e discentes em relação às condições de trabalho e à qualidade dos serviços. “A universidade pública está perdendo sua atratividade. Entre os motivos fundamentais estão as precárias condições de atendimento e convivência em seu espaço, sem laboratórios e bibliotecas adequados, sem espaços de recreação, com alto custo dos serviços... O desmonte da universidade pública tem atraído por sua força centrífuga o desencantamento com o espaço da Universidade”.
Em reportagem do Boletim n. 40, de setembro de 2023, a ADUA denunciou a crise na Ufam que vem registrando alta evasão estudantil e considerável retração no ingresso de alunos(as), fatos que têm relação direta com a escassez de recursos da instituição. Na matéria, a Seção Sindical mostrou, por exemplo, a dificuldade financeira dos(as) estudantes se manterem na universidade, evidenciando a necessidade da ampliação de bolsas de permanência.
Outro problema apontado por docentes e exposto na reportagem tem relação com a desvalorização do corpo técnico da Ufam que acumula baixos salários (servidores/as estão com salários defasados devido à falta de reajustes periódicos, inclusive os/as docentes integram atualmente a campanha salarial dos/as servidores/as públicos/as) e sobrecarga de trabalho, uma vez que a entrada de estudantes e a ampliação de cursos não acompanham a contratação de novos(as) professores(as) e técnicos(as).
Nacional
Em termos gerais, o envio de recursos da União para as 69 universidades brasileiras diminuiu em 33,3% delas entre 2010 e 2022, ocorrendo, na maioria das vezes, queda nos últimos três anos analisados. Já o empenho real por estudante, em termos reais, sofreu retração em 68,7% das instituições. “Isso, obviamente, é ruim para as pretensões de ampliação, com interiorização e melhoria da qualidade do ensino superior brasileiro”, comenta o Dieese.
As consequências dessas sucessivas faltas de investimento nas universidades públicas brasileiras são percebidas em alguns estudos. Segundo dados da Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec), 29 universidades brasileiras caíram de posições na edição de 2023 do World University Rankings. O principal fator para a queda do Brasil no ranking foi o desempenho em pesquisa acadêmica.
Corrobora com essa informação o dado de um estudo de 2022 do Observatório do Conhecimento, em parceria com a Frente Parlamentar Mista da Educação, que revelou que os contínuos cortes do governo no orçamento de Ciência e Tecnologia retiraram quase R$ 100 bilhões da área no acumulado de 2014 a 2022. “Quando são identificados problemas de financiamento nas universidades, toda a capacidade de produzir pesquisa e conhecimento e de formar profissionais para o mercado de trabalho é comprometida”, afirma o Dieese.
No período posterior ao analisado pelo Dieese, os cortes no orçamento das universidades foram mantidos. A Lei Orçamentária Anual (LOA) 2024, aprovada pelo Congresso em dezembro de 2023, dispôs de R$ 5.957.807.724,00 bilhões para as universidades federais, ou seja, um valor R$ 310.379.156,00 menor do que o orçamento do ano anterior. Dados recentes da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) mostram também que do total do Orçamento Federal executado em 2023 apenas 2,97% foram destinados para Educação e 0,29% para Ciência e Tecnologia.
O desenvolvimento de um país passa necessariamente pela priorização da Educação Pública e há anos o Brasil tem escolhido retroceder. Ao retirar recursos das universidades públicas, os governos têm optado por um projeto de desmantelamento do Ensino Superior e da Ciência. O ANDES-SN e a ADUA têm cumprido o papel de denunciar os efeitos nocivos desse retrocesso e cobrado a recomposição dos recursos. O estudo do Dieese revela que é necessário fortalecer a luta pela educação pública, por uma formação crítica e libertadora dos(as) estudantes e por condições dignas de trabalhos para técnicos(as) e docentes.
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