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  03/10/2023


STF derruba Marco Temporal para demarcação de Terras Indígenas



Foto: Elciclei Faria - Manaus (20 de setembro de 2023) 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria contra a tese do Marco Temporal para a demarcação de Terras Indígenas (TI). Com 9 votos contra a tese e 2 a favor, o julgamento chegou ao final depois de onze sessões no dia 21 de setembro. A decisão terá repercussão geral e afetará pelo menos 226 processos de demarcação de TI em  instâncias inferiores que aguardavam o resultado da audiência.

 

O processo foi acompanhado por indígenas de diversos povos brasileiros, dentro e fora das sessões em Brasília, e com manifestação nos estados.

 

Na véspera da decisão, 20 de setembro, em Manaus (AM), movimentos indígenas, sociais e populares se reuniram na Praça da Polícia para protestar contra a pauta que é prejudicial aos direitos territoriais e culturais e pretendia dificultar a demarcação de TIs.

 

A ADUA esteve presente representada pela professora Elciclei Faria, que também integra a Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (Famddi).

 

“Entendemos que o NÃO ao Marco Temporal significa SIM à diversidade cultural dos Povos Indígenas e de toda a biodiversidade de nosso país. A vitória sobre o Marco Temporal também afirma a contribuição dos povos indígenas para o país, valoriza nossa cultura, língua, alimentação, pinturas e toda nossa interpretação e lógica de pensar o mundo. Mesmo conscientes que ainda há muito pelo que lutar, hoje gritamos: Nunca mais um país sem o Povo Xokleng. Nunca mais um país sem os povos indígenas”, afirmou a docente da Ufam e integrante do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam), Danielle Gonzaga.

 

A tese do Marco Temporal recebeu votos contrários dos ministros Edson Fachin (relator), Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Já os votos favoráveis à tese anti-índigena foram dos ministros André Mendonça e Nunes Marques.

 

Entenda

 

O julgamento foi iniciado em 2021 e tratava, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a TI Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. 

 

O território perdeu a condição de reserva indígena em 2009, após um julgamento em instância inferior, quando os juízes haviam justificado que as terras dos Laklãnõ não estavam ocupadas por indígenas em 1988.

 

A tese anti-índigena afirma que só poderia haver a demarcação de terras se indígenas estivessem habitando o local em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil.

 

Entidades representativas dos povos indígenas, como a Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib) e a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), afirmam que permanecerão em luta pela garantia dos direitos indígenas.

 

A rejeição da tese do Marco Temporal no STF acelerou posicionamentos do Congresso Nacional.

 

No dia 27 de setembro, o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.903/2023 de criação do Marco Temporal para a demarcação das TIs e tratamento dos territórios como mercadoria.

 

Dos 81 senadores(as), 43 votaram favoravelmente e 21 contra. O texto tinha passado na Câmara dos Deputados como PL 490/2007, no dia 30 de maio deste ano, após aprovação de 283 deputados(as) e rejeição de 155, de um total de 513 parlamentares.

 

Dos 27 parlamentares da Amazônia, 16 votaram a favor do PL. Do Amazonas, os deputados Eduardo Braga (MDB) e Omar Aziz (PSD) votaram pelo não. Já Plínio Valério (PSDB) votou sim ao projeto de ataque aos povos originários. Leia a seguir o comentário da professora Ivânia Vieira sobre o tema.

 

Povos Indígenas têm muitas batalhas a enfrentar

 

Ivânia Vieira*

 

Os povos indígenas do Brasil estão diante da complexa batalha do Século 21 na longa marcha para assegurar o direito aos territórios e à vida. No enfrentamento deste tempo, abrigado na tese do Marco Temporal, estão acionadas as impressões digitais dos membros dos poderes instituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) e o questionamento sobre como irão ser reveladas.

 

Entre outros indicadores, a agilidade do Congresso Nacional ao tratar da questão chama atenção e, mais uma vez, mostra como matérias podem ser aceleradas, submetidas à lentidão ou ao engavetamento de acordo com os interesses mobilizados. Com a aprovação pelas duas instâncias legislativas, o projeto segue para a apreciação do presidente da República que poderá sancioná-lo ou vetar. Se for vetada, a proposta retorna aos legisladores que podem derrubar o veto presidencial.

 

Se a proposta do Poder Legislativo vigorar como está, serão validadas: a tese de demarcação das terras indígenas ocupadas por comunidades indígenas até o dia 5 de outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição brasileira: a União poderá retomar terra indígena se constatar alteração de traços culturais da comunidade e, nesse caso, a terra será destinada ao Programa Nacional de Reforma Agrária; torna possível validação de títulos de propriedade ou posse por particulares em terras de comunidades indígenas; veta a ampliação de terras indígenas já demarcadas; autoriza o contrato de cooperação com não indígenas para atividades econômicas; permite o contato com povos isolados para intermediar ação do Estado classificada como de utilidade pública.

 

Por que a batalha atual é complexa? A defesa da tese do Marco Temporal está eivada de interesses econômicos e políticos, de datação antiga, e que agora formam uma aliança gigantesca transnacional e de reposicionamento geopolítico mundial. As terras indígenas são parte desse pacote já mapeado, com preços e lucros calculados e projetos prontos para serem implantados do tipo “a ferro, fogo e bala”. Os avanços tecnológicos são utilizados visando encaixotar o país e os povos originários nessa lógica, sem ignorar que as lutas indígenas e de setores da sociedade nacional e internacional também se utilizam desses instrumentos para comunicar/denunciar e mobilizar em torno de suas percepções e posicionamentos.

 

É nesse movimento de apoio aos direitos fundamentais e do respeito à ancestralidade dos povos indígenas que a Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (Famddi) reafirma o compromisso da aliança e das lutas com os coletivos indígenas, não indígenas e o movimento indígena pela garantia dos territórios dos povos originários. Em reunião no dia 27 de setembro, a entidade aprovou, por unanimidade, o desenvolvimento da jornada “Decifra o Marco Temporal” que envolve diferentes ações e um conjunto de parcerias com instituições de ensino e pesquisa, movimentos sociais e coletivos de mulheres, juventudes.

 

A derrubada do Marco Temporal pelo STF, muito comemorada, é confrontada pelo Poder Legislativo, em sua maioria comprometido com teses que se traduzem em violência à sociedade nacional e, especificamente, aos povos indígenas.   

 

O que está em jogo - manter o Marco Temporal de 5 de outubro de 1988 para demarcar terras indígenas – é a luta dos povos originários frente à fome voraz do capitalismo determinando modos de governar, de legislar e de operacionalizar a justiça. Para os povos da Amazônia o Marco Temporal é a concretização da entrega e da sujeição profunda da região a uma superestrutura de exploração dos bens dos territórios amazônicos, das gentes amazônicas.

 

*Jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Ufam, sindicalizada à ADUA e integrante da Famddi

 



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