Daisy Melo
Combatente histórico das desigualdades, da alienação e da precariedade na educação, o ANDES-SN tem se posicionado há anos contra a contrarreforma do Ensino Médio, apresentada como Medida Provisória (MP) 746/2016 e, posteriormente, aprovada como Lei 13.415/2017. Mesmo após a implantação, o Sindicato Nacional e suas seções sindicais, entre elas a ADUA, continuaram a denunciar os prejuízos da medida e a pressionar pela revogação imediata.
Em 2023, com a mudança de governo, o ANDES-SN intensificou a campanha “Revoga o Novo Ensino Médio (NEM)” nas ruas e nas redes, em conjunto com Sinasefe, Fasubra, Fenet, Ubes e Executiva Nacional de Estudantes de Pedagogia (ExNepe), além do Fórum dos Intercomitês pela Revogação do Novo Ensino Médio, Frente Nacional pela Revogação da Base Nacional Comum para Formação de Professores (BNC-FP) e Observatório do Ensino Médio.
Neste ano, a ADUA participou das manifestações de rua dos dois dias nacionais de luta pela revogação do NEM. A Seção Sindical esteve, em 27 de junho, no ato organizado pela Frente Contra o Novo Ensino Médio de Manaus, em frente à sede da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), com a participação de docentes, estudantes do Ensino Médio e universitários(as).
Na ocasião, o presidente da ADUA, Jacob Paiva, discursou em favor da derrubada do projeto. “O Novo Ensino Médio foi uma imposição articulada após surgimento deste grupo mais à direita e que depois assumiu um caráter mais fascista, trazendo embutida a reprodução das desigualdades no nosso país com o discurso de que cada estudante poderá escolher seu itinerário formativo, mas que, na prática, significa que os filhos e as filhas da classe trabalhadora terão acesso a um conteúdo limitado no Ensino Médio”.
Na mesma manifestação, a estudante do 2º ano do Ensino Médio da Escola Estadual “Ruth Prestes Gonçalves”, Valéria Nogueira, de 16 anos, fez um relato sobre sua experiência. Segundo ela, o tempo de aula de disciplinas como Biologia e Química – que são cobradas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – foi diminuído, sendo substituídas por aulas como “Projeto de Vida” e “Cultura Digital”. “Não agregam em nada no nosso currículo, e os próprios professores não têm preparo para dar essas matérias”, contou.
Outro problema acarretado pelo NEM, segundo a estudante, é que os tempos de aula passaram de cinco para sete, sendo os dois últimos ministrados em formato online. “Isso não funciona na prática, porque eu, por exemplo, moro longe da escola, e levo uma hora e meia para chegar em casa, que já é o tempo do ensino remoto”, relatou Valéria Nogueira durante a manifestação pública.
Além de atos públicos, outras estratégias da campanha contra o NEM são a afixação de faixas e outdoors em pontos próximos a universidades e institutos federais. A Regional Norte 1 do ANDES-SN (AM, AC, RO e RR), por exemplo, articulou uma ação nas capitais. Foram instalados outdoors em Manaus (Avenida Tefé, zona sul), Rio Branco e Porto Velho. Em Boa Vista, o alto custo do serviço impossibilitou o uso da estratégia.
Em termos de promoção do debate nas redes, em 25 de junho, Comitês pela Revogação do NEM de várias partes do país organizaram um debate ao vivo pela internet e com a participação de representantes de entidades como ANDES-SN, Ubes, Fasubra, Sinasefe, Fenet, ExNepe, Observatório do Ensino Médio, Frente Nacional pela Revogação da BNC-FP e do deputado Glauber Braga (Psol/RJ), propositor do abaixo-assinado pela revogação do NEM. Na live foi apresentada a proposta de construção de um calendário de atividades pelos estados e a realização de um ato em Brasília em agosto.
Em março de 2023, o NEM e seus impactos para a Educação também foram discutidos no Painel “A Reforma do Ensino Médio” durante o VII Seminário Estado e Educação, na Universidade Estadual do Ceará (Uece), em Fortaleza. Organizado pelo ANDES-SN em conjunto com a Seção Sindical de Docentes da Uece (Sinduece), o encontro teve como tema central “O projeto do Capital para a Educação: como enfrentá-lo?”.
Na ocasião do seminário, a palestrante e docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cláudia Piccinini, pontuou que os ataques às políticas públicas não são questões isoladas, mas que as contrarreformas trabalhista, previdenciária e do Ensino Médio representam um projeto sincronizado do capital.
“O NEM tem o papel de distanciar a classe trabalhadora, em sua maioria negra e pobre, da Educação básica de qualidade e da universidade pública e, dessa forma, capacitar essa força de trabalho para o desemprego estrutural, com uma qualificação desqualificada”, afirmou. Segundo Piccinini, a medida interfere diretamente na formação de docentes e na base curricular, com foco em competências cognitivas complexas e na capacidade do estudante de desenvolver essas competências.
No mesmo mês, a ADUA esteve nas ruas em mais um dia nacional de luta contra o NEM. No ato do dia 15, na Praça da Polícia, no Centro de Manaus, o 1º vice-presidente da Seção Sindical, Aldair Oliveira de Andrade criticou o caráter excludente da contrarreforma. “Essa nova reforma do Ensino Médio é processo de aniquilamento da possibilidade do jovem estudante brasileiro, de classe pobre, ter uma educação séria e qualificada que possa competir adequadamente no mercado de trabalho”. Também em março, o Grupo de Trabalho de Política Educacional (GTPE) do Sindicato Nacional lançou um InformANDES Especial sobre a luta pela derrubada do NEM.
Em anos anteriores, também como forma de gerar conteúdo informativo sobre este projeto de educação excludente, o GTPE já havia publicado a cartilha “A Contrarreforma do Ensino Médio: o caráter excludente, pragmático e imediatista da Lei Nº 13.415/2017”. Em termos de materiais didáticos sobre o tema, o Grupo disponibilizou também as cartilhas “Projeto do Capital para a Educação: Análise e Ações para a Luta Volume 2 e Volume 3”.
Já no início do ano de 2023, primeiro ano de mandato de um novo governo, o ANDES-SN escrevia mais um capítulo da luta por um Ensino Médio justo e de qualidade. No dia 1º de janeiro, o Sindicato Nacional entregou à equipe de transição do governo Lula, em Brasília (DF), o documento “Onze pontos programáticos em defesa da Educação Pública”, que apresenta no oitavo ponto a necessidade urgente da revogação do NEM.
“Revogar a implantação da Reforma do Ensino Médio e da Resolução CNE/CP n. 02 de 2019 que altera as diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial de professore(a)s para a Educação Básica (BNC formação), que está articulada com a Reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Básica. Esses dispositivos rebaixam a formação universitária dos(as) docentes da educação básica e a formação da juventude em geral”, afirma trecho do documento.
Para agosto, a previsão é a construção de mais um Dia Nacional de Luta contra o NEM no dia 9, em articulação com outras entidades da Educação, atividade já prevista no Plano de Lutas definido recentemente no 66º Conselho do ANDES-SN (Conad) ocorrido em julho deste ano, em Campina Grande (PB). Dentro deste tema, também foi encaminhado fortalecer os Inter comitês pela revogação desta contrarreforma nos estados e municípios e os fóruns que compõem a Frente Nacional pela Revogação da BNC-Formação nos locais já existentes.
Itinerários
Em 2018, a BNCC do Ensino Médio passou a orientar os currículos dos sistemas e redes de ensino dos estados e as propostas pedagógicas de escolas públicas e privadas do país. A partir daí, disciplinas como Artes, Filosofia e Sociologia deixaram ser obrigatórias. Com a lei, parte do ensino passou a ser feita por “itinerários formativos”, uma espécie de especialização dentro de áreas do conhecimento ou ensino técnico profissionalizante, mudanças que não promovem uma educação emancipadora.
“Essa reforma compromete profundamente as e os estudantes do Ensino Médio e tem interferência grande no acesso deles e delas na universidade pública. A mudança no processo de formação por itinerários, que retirou disciplinas que são fundamentais para o senso crítico, para reflexão, traz para o Ensino Médio a perspectiva de uma formação aligeirada, sem qualidade”, explicou uma das coordenadoras do GTPE, Elizabeth Barbosa.
A Diretora do ANDES-SN acrescentou que essas mudanças deixaram a Educação Pública diretamente ligada ao setor privado, aumentado a carga horária da formação, mas de uma maneira que retira as e os estudantes das salas de aula em processos precarizados e alienantes.
No artigo “Retrocessos nas metas do PNE acentuam as desigualdades educacionais”, publicado em julho, o professor e pesquisador Gabriel Grabowski também reafirma que o NEM segmenta e aprofunda as desigualdades educacionais e sociais ao instituir os “itinerários formativos” que privam estudantes do acesso a conhecimentos básicos necessários à formação.
“O NEM induz os jovens de escolas públicas a cursarem itinerários de qualificação profissional de baixa complexidade e ofertados de maneira precária em escolas sem infraestrutura, ampliando e acentuando a desescolarização no país, terceirizando partes da formação escolar para agentes exógenos ao sistema educacional (empresas, institutos empresariais, organizações sociais, associações e indivíduos sem qualificação profissional para atividades letivas)”, afirma.
Grabowski acrescenta que deste modo é transferida do Estado para agentes do mercado a responsabilidade de garantir educação pública, o que gera “efeitos potencialmente catastróficos para a oferta educacional num país com desigualdades sociais já tão acentuadas”.
A Lei 13.415/17 que instituiu o NEM permite, ainda, a contratação de docentes sem diploma em licenciatura, admitindo a figura de “profissionais com notório saber”. Dessa forma, a legislação desqualifica os cursos dessa modalidade e desconsidera a regulamentação da profissão que deve ser exercida por aqueles(as) que têm domínio do conteúdo e formação pedagógica.
Revoga, já!
Com a continuidade da pressão nacional dos movimentos e entidades estudantis e educacionais, o Ministério da Educação (MEC) suspendeu a implantação do NEM – iniciada em 2022 – e abriu consulta pública para avaliação e reestruturação da Política Nacional de Ensino Médio. Conforme o governo, outras iniciativas foram realizadas como webinários, pesquisa presencial, seminários, audiências públicas e reuniões com cerca de 30 entidades ligadas ao Fórum Nacional de Educação (FNE).
A partir da conclusão da consulta pública online no dia 6 de julho, o MEC informou que apresentará um relatório em até 30 dias e constituirá um GT com técnicos do ministério para elaborar uma proposta de reestruturação do Ensino Médio. Mas, entidades da Educação – incluindo o ANDES-SN – já foram enfáticas sobre serem contra qualquer “ajuste” e a favor da revogação imediata do projeto.
Em reunião convocada pelo MEC em maio, a presidente do ANDES-SN, Rivânia Moura, frisou: “sabemos que têm outros projetos tramitando, tem proposta de ‘melhorar’ esse Novo Ensino Médio, mas para nós ele não tem conserto porque faz parte de uma proposta que favorece o mercado, o ensino privado e a destruição da possibilidade, inclusive, de acesso à Universidade para classe trabalhadora mais pobre”, acrescentando “nós deixamos muito evidente, muito explícita e muito forte a nossa luta pela revogação do Novo Ensino Médio”.
Diante dessa série de entraves tanto para a formação de profissionais da área da educação quanto para o ensino e a aprendizagem de jovens e a sua formação crítica, o ANDES-SN, a ADUA e as demais seções sindicais têm se manifestado nas ruas e nas redes contra o NEM. Seja por meio de outdoors, com faixas, lives, realização de seminários e materiais gráficos, o objetivo das entidades é a defesa irrestrita de um Ensino Médio inclusivo, acessível e de qualidade, uma luta contra o capital que mantém sua força.
Fotos: Daisy Melo/Ascom ADUA e Sue Anne Cursino/Ascom ADUA
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