Sue Anne Cursino
No coração do Nordeste brasileiro, sob os ares da vibrante Campina Grande (PB), também conhecida como “Rainha da Borborema” devido sua localização privilegiada e importância econômica e cultural na região, mais de 300 docentes de diversas instituições públicas de ensino do país se reuniram no 66º Conselho do ANDES-SN (Conad), que teve como tema central “Na reorganização da classe com inspiração nas lutas e culturas populares”, sob organização da Associação de Docentes da Universidade Federal de Campina Grande (Adufcg), na UFCG.
Entre as atividades realizadas de 14 a 16 de julho, a cidade foi palco da posse da nova diretoria do Sindicato Nacional, lançamento da revista Universidade & Sociedade, atualização do Plano de Lutas e apresentações culturais que confirmaram: o Nordeste é acolhedor, exala cultura, tradição e é palco da maior festa de São João.
Na bagagem, a delegação da ADUA traz o sentimento de aprendizado, novas percepções estéticas, sabores e ritmos.
Estiveram representando a Seção Sindical, como delegado, o professor Jacob Paiva (Faced); e, como observadoras, as professoras Jocélia Barbosa (Faced), Marinez França (ICSEZ) e Angela Maria Oliveira (IEAA).
Com 32 anos de sindicalizado e inúmeras participações em atividades do ANDES-SN, o professor Jacob Paiva demonstra brilho no olhar e entusiasmo ao compartilhar sua experiência em mais uma atividade coletiva do sindicato.
Ele avaliou positivamente o encontro docente, com destaque para a participação intensa nas plenárias, Grupos de Trabalho e cumprimento do cronograma da temática.
“A nossa delegação esteve do início ao fim com participação nos grupos e plenárias. Saímos do evento com a concepção de que estamos mais fortalecidos para enfrentarmos os desafios que estarão postos para o próximo semestre. Manteremos nosso compromisso de somar com o nosso sindicato nesses momentos nacionais, que são de fundamental importância para a efetivação de um sindicato que se constrói pela base, com democracia e com autonomia perante os governos, os partidos e as administrações superiores”, frisou.
Em sua segunda participação em um Conselho do ANDES-SN, a professora Marinez França comentou que um aspecto que lhe chamou atenção foi o fato do sindicato estar bastante envolvido no contexto das representatividades da diversidade, acontecimento que para ela tem grande importância por integrar um campus da Ufam que está no interior do Amazonas.
“Espera-se que esse olhar da coletividade, que a diretoria trouxe, se fortaleça e venha agregar a luta dos professores pela valorização de ativos e aposentados, em uma gestão que, nas palavras do presidente, vai procurar a unidade. Há um trabalho muito grande para fortalecer nosso sindicato, alavancar nossas lutas, que não são apenas financeiras, e são também da diversidade, do campo, do quilombo, dos indígenas”, ponderou.
Para Marinez, o sentimento é um misto de angústia e motivação, devido ao levantamento de tantas pautas que necessitam de urgente mobilização em tão pouco tempo. “Nós, professores, somos e fomos muito atacados. Há necessidade de fazer um trabalho coletivo, de liderança, de política, considerando que há uma forte alienação do processo político. Estamos em um cenário diferente, mas ainda há perigo e temos pouco tempo para ressignificar muito do que foi destruído”, avaliou.
O quarteto não passava despercebido. “Somos docentes da Amazônia. Era como nos apresentávamos”, relembra Marinez ao afirmar que o evento foi também um momento de socialização.
“Participar do 66º Conad nos proporcionou um espaço de intensa formação política, permitindo vivenciar a pluralidade de ideias e compartilhar experiências”, disse a professora Angela Maria, que pela primeira vez participou de um Conad.
Ao comentar sobre sua primeira participação no Conselho do ANDES-SN, a docente Jocélia Barbosa é enfática: “Estamos sentindo que o processo de luta é também um processo de levante, processo de afirmação, do caráter público da educação e da vida dos professores e das professoras, afinal, as garantias se concretizam na luta”.
Conjuntura
A mesa de abertura do Conad deu início a reflexão sobre o contexto atual, com avaliação sobre a realidade concreta vivenciada nas universidades, e palavras motivadoras para que as futuras ações possam ser realizadas no sentido do movimento da mudança.
O fascismo nas ruas, defasagem no orçamento das universidades públicas e o arcabouço fiscal estão entre os desafios vivenciados pela classe trabalhadora e pelas instituições de educação pública citados por representantes de entidades estudantis, da ADUFCG e das Diretorias (passada e atual) do Sindicato Nacional que compuseram a mesa.
A ex-presidente do ANDES-SN, Rivânia Moura, fez breve balanço da última gestão, que teve ainda aprovada a prestação de contas. “Assumimos a diretoria do ANDES-SN em um momento extremamente difícil mundialmente e no Brasil. Período de profunda dor em decorrência da pandemia, conjugada com um governo de extrema direita, negacionista, fascista, que fez com que vivêssemos um cenário extremamente difícil para a classe trabalhadora no nosso país, com a negação da vacina e a negação do isolamento social. Diante desse cenário, conseguimos manter o ANDES-SN vivo e atuante em todas as frentes de luta”, afirmou.
Em seguida, a diretoria que estará à frente do Sindicato Nacional entre 2023 e 2025 tomou posse.
Como presidente assumiu o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Gustavo Seferian; no cargo de secretária-geral foi empossada a docente da Unila, Francieli Rebelatto, e a professora do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Pará (UFPA), Jennifer Webb, assumiu o cargo de 1ª tesoureira. Também foram empossados(as) 80 diretores(as) que compõem a Executiva Nacional e as 12 regionais do ANDES-SN.
Seferian destacou que os desafios do Sindicato Nacional são diversos e fez um chamado à unidade e ao respeito às diferenças internas.
Nesse sentido, a docente Jocélia reiterou que os e as docentes ali reunidos objetivaram discutir e apresentar soluções e planos de ações para que seja possível pensar em uma reinvenção da categoria, após o desgoverno de Bolsonaro e da pandemia.
Com um caderno de anotações na mão, recebido no kit do evento, a professora, animada, enuncia discursos de sua memória acompanhada por letras que bailam em uma caligrafia apressada, porém legível, resultado de típico ato de professora, que como ela bem se descreve “anoto tudo”.
“Nos reunimos para pensar na conjuntura do movimento docente, em como nos encontramos na carreira, no processo de trabalho, na saúde. Refletir sobre o movimento que perdeu forças, mas que ao mesmo tempo busca resgatar a valorização da docência, após os quatro anos de um governo que contribuiu não só para uma desvalorização salarial, mas também para a depreciação do docente. A nossa luta continua”, disse Jocélia.
Na sutileza das palavras, a docente deixa claro que o encontro agregou ainda mais ao seu currículo de aprendizado. “É louvável sair de um momento desse e observar que você cresceu. Saímos fortalecidos”, avaliou.
Ainda no primeiro dia do evento, a plenária no Tema I teve como foco o debate sobre a conjuntura e movimento docente, com base nos Textos de Resolução (TRs) disponíveis no Caderno de Textos e no Anexo ao Caderno.
Em diversos posicionamentos, foram citadas a derrota da extrema direita nas urnas e a necessidade de vencê-la nas ruas, as crises sociais, econômicas, ambientais e climáticas. Foi pontuada ainda a urgente necessidade de reorganização da classe trabalhadora e o papel do Sindicato Nacional como estratégias pela recomposição do orçamento das instituições de ensino público.
Estratégias
Nas terras áridas do Nordeste foi construído o açude de Bodocongó, uma alternativa para enfrentar a escassez de água na região. Igualmente ali próximo, na universidade que sediou esta edição do Conad, docentes debateram ideias e ergueram estratégias para nutrir as batalhas gerais e específicas da categoria.
No dia 16, terceiro dia de evento, a Plenária do Tema II apreciou a atualização dos Planos de Lutas Gerais; do Setor das Instituições Federais de Ensino (Ifes) e das Estaduais e Municipais de Ensino Superior (Iees/Imes).
No âmbito do plano geral de lutas foi aprovada a intensificação da mobilização pelo reenquadramento de docentes aposentados e aposentadas, com paridade e integralidade remuneratória entre servidores(as) na ativa e aposentados(as); a retomada da Frente Escola Sem Mordaça; rearticulação da Coordenação Nacional das Entidades em Defesa da Educação Pública e Gratuita (Conedep); construção do IV Encontro Nacional de Educação (IV ENE) e a realização de campanha de valorização do(a) trabalhador(a) da educação, considerando o aumento dos episódios de violências em instituições e as tentativas de criminalizar o trabalho docente.
Na atualização das lutas do Setor das Ifes foram debatidas e deliberadas a intensificação da luta pelo fim da lista tríplice, com a defesa de que os processos de eleição iniciem e encerrem nas instituições, e pelo enfrentamento do Arcabouço Fiscal (Projeto de Lei Complementar (PLP) 93/23) e a defesa da Auditoria da Dívida Pública, por meio da organização de debates, rodas de conversa e ações das seções sindicais, em conjunto com movimentos sociais e outras categorias da classe trabalhadora.
Os e as docentes aprovaram ainda o fortalecimento da construção da Campanha Salarial de 2024, em conjunto com as demais categorias do funcionalismo público, no âmbito do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) e do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate).
“Tem dois movimentos para articularmos. Esse movimento mais geral com o conjunto dos servidores públicos federais para perseguir a reconstrução das perdas salariais históricas, e, ao mesmo tempo, o desafio de tocar a pauta específica, que engloba a reestruturação da carreira docente, por exemplo, que está lá no MEC [Ministério da Educação]. Como ADUA vamos participar das reuniões federais ou das atividades do conjunto dos servidores para acompanhar o desdobramento desse tema”, explicou Jacob Paiva.
No setor das Iees/Imes também foram debatidas questões da lista tríplice. Aprovou-se ainda a ampliação de debates sobre o impacto da Emenda Constitucional 95 (Teto dos Gatos Sociais) e do Arcabouço Fiscal nos estados e municípios, bem como a manutenção da mobilização por mais orçamento, melhores condições de trabalho e concursos públicos.
Debate pela base
No dia 15 de julho, os e as docentes participaram de diferentes grupos mistos para debaterem e aprovarem pontos de resolução para apreciação nas plenárias, como, por exemplo, a do Tema II, que deliberou sobre os itens remetidos pelo 41º Congresso, que tratavam das questões referentes à carreira, à saúde docente, assuntos de aposentadoria, ciência e tecnologia, comunicação e artes.
Foram abordados temas como produtivismo, plataformização, precarização das condições de trabalho, adoecimento docente, perda dos direitos de aposentadoria, desestruturação da carreira docente, luta pela ampliação dos recursos para ciência e tecnologia e agências de fomento, e a necessidade de revogação do Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público (Funpresp) e da Contrareforma da Previdência.
Entre os eventos aprovados estão previstos a realização do II Festival de Arte e Cultura; o VII Encontro de Comunicação e Artes, na Universidade Federal do Maranhão (UFMA); o IV Encontro Nacional sobre Carreira do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) e Educação Básica das Instituições Estaduais e Municipais de Ensino Superior.
Foi aprovada a construção do dia 09 de agosto como um Dia Nacional de Luta contra o Novo Ensino Médio (NEM), além de criação e fortalecimento de intercomitês pela revogação do NEM nos estados e municípios e dos fóruns que compõem a Frente Nacional pela Revogação da BNC-Formação.
Entre outros pontos, a intensificação da luta por inclusão escolar da pessoa com deficiência, e resolução sobre as políticas de classe, etnia, gênero e diversidade sexual também foram validadas pelos(as) participantes, que também decidiram pela realização do Dia Nacional de Defesa da Amazônia, da Luta Socioambiental e pela Terra, no dia 22 de dezembro.
A docente Angela Maria afirmou que o encontro foi uma excelente aula. “Todas as atividades realizadas no Conad foram bastante proveitosas. A começar pelo discurso da diretoria que entregou seu mandato. A posse da nova diretoria renovou os ânimos na continuidade da luta por melhores condições de trabalho dos docentes e das docentes. Percebemos também a preocupação do ANDES-SN, por meio de todos os presentes, com as minorias, negros e negras, LGBTQIA+, além das pessoas com deficiência”, avaliou.
Revista U&S
Instrumento de luta e formação, foi lançado durante o Conad o exemplar nº 72 da revista “Universidade e Sociedade”, editado pelo ANDES-SN, com o tema “A crise ecológica e socioambiental: territórios, política e meio ambiente”.
O periódico, construído a partir de colaboração de docentes e profissionais interessados(as) na área, apresenta oito artigos sobre a temática central, além de resenhas, textos de debate e reportagem fotográfica.
O próximo número da U&S abordará os 60 anos de luta e resitência contra o golpe militar-empresarial, na perspectiva de memória, verdade, reparação e justiça.
Ritmo
“O ANDES tem feito um esforço muito grande de relacionar cada vez mais nossas lutas políticas gerais ou específicas com o conjunto dos movimentos de luta do nosso país, inclusive do movimento cultural”, disse Jacob Paiva ao comentar que em Campina Grande, assim como em outros eventos do Sindicato Nacional, é possível conhecer diversas expressões das manifestações culturais que enriquecem a luta sindical.
Nesse tom, a beleza do chorinho, com sua versatilidade e virtuosismo instrumental apresentado pelo grupo Chorata encantou a todos(as) em um dos momentos de apresentação.
O contagiante sopro de alegria também fluiu dos versos dos repentistas Ivanildo Vila Nova e Felipe Pereira. “Cantador ensina assim pra uma bandeira educada. A cultura é sua lousa. A viola é sua espada. Até do jeito de vida e sem vida não somos nada. Classe atualizada em escola ou faculdade, o salário pago em dia, com a pontualidade, é assim que se consegue ensino de qualidade. Cantador sem faculdade pode virar bacharel. Sua caneta é a mente. O seu livro é o cordel. Cultura e educação vão cumprindo seu papel...”, improvisaram os cantores diante da plateia.
“Me senti em uma verdadeira articulação orgânica”, afirmou Jocélia ao falar das apresentações artísticas. “Todas essas lutas que o Nordeste tem, nós também temos. As apresentações culturais foram de riqueza imensa, porque fomos detectando uma região maravilhosa, de sol, árvores, alimentação, parecida com a nossa. Sentimos a luta, nos solidarizamos, pois vimos que temos a mesma questão cultural de luta pela educação, pelo direito, e contra a exclusão”, complementou a docente.
Encerramento
Já era quase meia-noite quando encerrou o encontro. Das histórias entrelaçadas se renovou esperança, apesar do cansaço da jornada, afinal altivez e aridez rimam, assim como docência e resiliência.
A última plenária deliberativa do 66º Conad aclamou a moderna cidade projetada por Aarão Reis, Belo Horizonte (MG), como sede do 67º Conad, a ser realizado em 2024.
Os e as participantes também aprovaram moções de repúdio às posturas conservadoras e misóginas de parlamentares com ataques à educação pública e à classe trabalhadora.
O encontro foi finalizado com a Carta de Campina Grande, documento que sintetiza os debates e as resoluções dos três dias de evento.
Durante a leitura, Francieli Rebelatto destacou que o ANDES-SN tem a necessidade de estar nas ruas, nas universidades, institutos e Cefets, ombro a ombro com a base da categoria: “Sejamos todas, todes e todos conscientes da nossa tarefa histórica de lapidar e seguir construindo nosso instrumento de luta para que esteja afinado com os anseios imediatos e históricos da nossa classe e, com isso, tocar a melhor música no dia da nossa vitória”, concluiu a Carta.
Fotos: ANDES-SN/Divulgação
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