Foto: Pedrosa Neto de Amazon Watch
Em defesa dos direitos dos Povos Indígenas, a ADUA emitiu, no dia 23 de maio, Nota Pública manifestando preocupação com o Protocolo de Intenções assinado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e a empresa de mineração Potássio do Brasil. O acordo visa executar atividade de mineração em Terras Indígenas (TIs) no Amazonas, a partir do “Projeto Autazes Sustentável (PAS)”. Em Carta Aberta divulgada no dia 18 de maio, a Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (Famddi) – a qual a ADUA integra – também havia se manifestado contrária ao projeto.
“Nos preocupa que ações que envolvam preservação de territórios de povos originários não tenham tido, no âmbito da Universidade, o espaço necessário para o debate amplo, o que pode transparecer uma pretensa supervalorização do poder da academia no resguardo aos valores das populações originárias, como se a garantia ‘da questão social e ambiental’ fosse de responsabilidade e domínio somente dos(as) pesquisadores(as) da Ufam”, afirma a ADUA, em trecho da nota.
O apoio da Universidade ao PAS levanta uma série de questionamentos por se configurar chancela à pretendida ação de exploração de fertilizante cloreto de potássio na mina de silvinita, no município de Autazes (a 111 quilômetros de Manaus), em áreas habitadas por indígenas, no Lago do Soares e em Urucurituba. O acordo foi formalizado no dia 23 de março, na sede da Universidade, com as assinaturas do presidente da Potássio do Brasil, Adriano Viana Espeschit, e do reitor da Ufam, Sylvio Mário Puga.
Na Carta Aberta, a Famddi – movimento da sociedade civil composto por mais de oito organizações indígenas, indigenistas e outros movimentos sociais da Amazônia – criticou o posicionamento da Ufam.
“A atitude da direção da Ufam fere princípios históricos da instituição Universidade e da própria missão institucional que propugna a valorização da interculturalidade como indutora de excelência acadêmica. A Ufam está instalada em um Estado que concentra a maior presença de povos e línguas indígenas, o que se constitui em riqueza sociocultural que deve ter, por parte da Universidade, atenção especial na produção das atividades de ensino, pesquisa e extensão”, diz trecho na nota da Frente.
Após repercussão do documento, a Ufam publicou nota, no dia 21 de maio, em que defende a parceria com a mineradora. “A qualidade dos serviços prestados e a credibilidade da Ufam trazem a esta parceria um lastro capaz, a partir das iniciativas aqui pactuadas, de tornar o Autazes Sustentável uma iniciativa de excelência na exploração mineral para a grande Amazônia”. A Administração da Universidade ainda destacou que “aproximadamente uma centena de cientistas da instituição trabalha para elaborar, com imensa responsabilidade e comprovada expertise”.
Mas, na reportagem “Pesquisadores da Ufam e do Inpa querem sair da lista pró-mineração de potássio”, publicada no dia 24 de maio na Amazônia Real, a jornalista Elaíze Farias constatou que alguns cientistas citados como integrantes do “corpo técnico” do PAS no Protocolo de Intenções refutam que os seus nomes continuem a constar no projeto. Um deles afirma que não foi informado sobre a destinação dos resultados dos seus estudos, entregues à Ufam em 2018, e defende o diálogo com os povos indígenas.
“Para mim, é uma situação ilegal. Está quebrando protocolos internacionais, como a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho]. Os povos indígenas estão lá, precisam ser consultados, se são favoráveis ou não. E se derem resposta negativa, isso deve ser respeitado. Não dá para seguir esse processo sem que a demarcação seja considerada. Não fui consultado para participar da sequência de ações a respeito do protocolo de intenções”, disse o cientista Jansen Zuanon à Amazônia Real.
Impactos
Apesar do projeto documentar que haverá impacto da mineração em todas as fases, com possíveis alterações ambientais e mudanças nas populações, a direção da Ufam mantém o apoio à execução do PAS.
Informações da reportagem “Pesquisadores da Ufam e do Inpa querem sair da lista pró-mineração de potássio”, explicam que as ações do projeto estão condicionadas à liberação de licença de instalação e de operação, porém as licenças emitidas pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) foram canceladas pela Justiça Federal do Amazonas a pedido do Ministério Público Federal (MPF).
Em março deste ano, o MPF pediu à Justiça Federal que aplique multa de R$ 100 mil e mais R$ 50 mil por dia à mineradora Potássio do Brasil, por descumprir decisão judicial que ordenou à empresa a retirada de suas placas do território indígena.
A reportagem denuncia ainda que, no Protocolo de Intenções, os indígenas Mura não são mencionados e que não é considerado que na região existem territórios em processo de qualificação para demarcação. “A aldeia Soares, onde a planta da reserva do minério está localizada, é descrita apenas como ‘vila’, apagando a história de 200 anos do território originário. O documento do protocolo não informa que ela é habitada por indígenas Mura que desde 2003 solicitam demarcação”, afirma trecho da reportagem.
Em entrevista ao podcast Sim & Não, do A Crítica, Sylvio Puga defendeu a exploração de potássio em Autazes, argumentando que a presença da Ufam é uma forma de garantia para que as populações tradicionais sejam respeitadas.
Foto: Thaís Borges
Em nota, o Departamento do curso de História da Ufam criticou a promessa de impacto reduzido e se posicionou em defesa dos povos que vivem na região de Autazes. “Não corresponde à realidade quando sabemos como se deu a ação de empresas estrangeiras que atuaram e atuam em outros Estados do Norte do Brasil. O desenvolvimento sustentável na Amazônia e, no caso, no Amazonas, não pode se dar sem que as comunidades indígenas sejam ouvidas e tenham os seus direitos garantidos”.
Historicamente, as populações e biodiversidades da Amazônia são foco da exploração desenfreada do Capital. A Ufam, em mais de 100 anos de existência, cultivou um discurso de combate à exploração, mas, em 2023, se enquadra na contradição de apoiar um projeto com graves consequências para as populações tradicionais e para a preservação da amazônica. A ADUA reitera que a posição da Administração da Ufam deve ser revista e estabelecido o imprescindível diálogo com os povos indígenas.
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