CARTA ABERTA À DIREÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
A Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI) manifesta publicamente estranheza e indignação quanto à posição de adesão e chancela à mineração em territórios indígenas assumida pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
A Famddi - movimento da sociedade civil composto por organizações indígenas, indigenistas e outros movimentos sociais na Amazônia - nasceu em dezembro de 2018 em espaço público e simbólico da Ufam (no hall do Instituto de Filosofia, Ciência Humanas e Sociais-IFCHS, campus Norte) para de forma articulada manter a atenção e a mobilização na defesa dos Direitos Indígenas.
A atitude da direção da Ufam fere princípios históricos da instituição universidade e da própria missão institucional que propugna a valorização da interculturalidade como indutora de excelência acadêmica. A Ufam está instalada em um Estado que concentra a maior presença de povos e línguas indígenas, o que se constitui em riqueza sociocultural que deve ter por parte da universidade atenção especial na produção das atividades de ensino, da pesquisa e da extensão.
O posicionamento institucional da Universidade está claramente expresso na assinatura do Protocolo de Intenções entre Ufam e a empresa de mineração Potássio do Brasil, no dia 23 de março de 2023, publicado no DOU em 27 de março de 23 e publicizado no mesmo dia no Portal da Ufam.
Na referida matéria, o reitor manifesta concordância e defesa da mineração em territórios indígenas ao afirmar que o pretenso empreendimento da Potássio do Brasil (que, se efetivado, atingirá terras do povo Mura). “É um projeto estratégico para o Estado e para o país e estaremos atuando de forma decisiva”. E complementa, prometendo, com base em supervalorização do poder da academia e de seus representantes: “Toda expectativa em torno da questão social e ambiental será sanada pelo acompanhamento da Ufam, que usará todas as suas competências para tal finalidade”.
A matéria foi replicada em vários órgãos da mídia e a posição da direção da Ufam repetida em outras ocasiões, com destaque na primeira reunião ordinária do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Planejamento e Administração das Instituições Federais de Ensino Superior (Forplad), ocorrida em Manaus, entre os dias 12 e 14 de abril deste ano. Na abertura do evento, o reitor da Ufam apresentou como “grande feito” institucional o acordo assinado pela Universidade com a Potássio do Brasil informando que a empresa mineradora “escolheu a Ufam... para que o empreendimento avançasse”.
Em entrevista ao Programa “Sim e Não”, do Jornal A Crítica, no dia 04 de maio de 2023, o reitor reafirma a posição oficial da Ufam: “a presença da Ufam é a total garantia para populações tradicionais que elas serão respeitadas”.
A Famddi, por meio desta Carta Aberta, denuncia e questiona o tipo de envolvimento direto da Ufam ao chancelar e legitimar a pretendida ação da Potássio do Brasil, abstendo-se de questionar as estratégias ilegais de pressão sobre as comunidades Mura adotadas pela referida empresa. Tanto que representantes do grupo empresarial estão proibidos, pela Justiça, de circularem nos territórios indígenas desse povo sem o consentimento dos Mura. A posição adotada pela Ufam corrobora com um projeto que poderá abrir precedente para a mineração em territórios indígenas no geral, afetando não só o povo Mura, mas outros tantos povos indígenas que vivem situações de ameaças similares.
Em recente decisão, a Justiça Federal (1ª Vara Federal Cível da SJAM), no dia 03 de abril de 2023 ratifica “determinação anterior, direcionada à empresa requerida Potássio do Brasil, que deve cumprir obrigação de não-fazer consistente em não circular nas Terras Indígenas Mura sem o consentimento do respectivo Povo”. A decisão cita a Nota de Repúdio do CIM - Conselho Indígena Mura, em que “repudiam as medidas adotadas pela Guarda Municipal de Autazes, que agiu a pedido da empresa Potássio do Brasil, de modo a intimidar os indígenas Mura dentro de seu território, sendo que os indígenas não querem a empresa ré circulando em seu território ou colocando placas”. E delibera também que “No art. 20 da Constituição Federal de 1988, está estabelecido que as Terras Indígenas são bens da União, sendo reconhecidos aos índios a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Entende o juízo que os direitos dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam são de natureza originária. Isso significa que são anteriores à formação do próprio Estado, existindo independentemente de qualquer reconhecimento oficial”.
Por todo o exposto, pela função da instituição UNIVERSIDADE em especial de uma universidade amazônica, os coletivos que compõem a Famddi conclamam a direção da Ufam a refletir e rever o seu posicionamento e participação nessa questão. Que a Ufam inaugure no Estado do Amazonas - quando ameaças e atentados aos povos indígenas se dão continuamente, e mortes de indígenas são reais - outra conduta constituidora da base de uma política institucional de firme parceria e de respeito aos povos originários, canalizando esforços e protocolos acadêmicos na atenção, escuta e na defesa dos direitos indígenas.
Manaus, 18 de maio de 2023
Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real/2022
Famddi
Criada em 14 de dezembro de 2018, durante o IV Encontro do Fórum de Educação Escolar Indígena do Amazonas (Foreeia), a Famddi reúne entidades indígenas e não indígenas voluntárias. Além da ADUA, integram também a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Serviço de Cooperação com o Povo Yanomami (Secoya), o Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), a Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime), a Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (Amarn), a Associação de Mulheres Indígenas Sateré-Mawé (Amism) e o Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas (Foreeia).
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