Data: 08/05/15
Um mês após o início do período letivo, centenas de estudantes da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) continuam sem aula, em pelo menos uma disciplina, em virtude da falta de professor. Levantamento feito pela reportagem da ADUA dá conta de que a situação atinge várias unidades acadêmicas desde o dia 6 de abril. Na avaliação dos discentes, o problema compromete a formação acadêmica.
Quem passou o ano anterior se dedicando aos estudos para garantir uma vaga na universidade e se depara com a falta de professor logo no 1º período resume a situação em uma palavra: frustração. É assim para os estudantes do 1º período de Pedagogia, na Faculdade de Educação (Faced), Alex Costa, 32, Alcilane Pinheiro, 29, André Luis Maranhão, 18, Andreia Arruda, 21, e Antônia Barbosa, 19, que estão sem aula em “Língua Portuguesa”, disciplina com carga horária de 60 horas e considerada pré-requisito para as disciplinas de “Estágio”, em uma etapa mais avançada do curso. Questionados sobre como se sentem em relação a esse problema, a resposta saiu em coro: “prejudicados”.
De acordo com os graduandos, a turma elaborou um documento pedindo explicações sobre a falta de professor. “A promessa é que na próxima quinta já teremos aula nessa disciplina. A alegação para a dificuldade é que o professor vem de outra unidade acadêmica”, disse Alex. A preocupação deles agora é quanto às 16h de aula “perdidas”, já que a disciplina deveria ocorrer todas as manhãs de quinta-feira. “A nossa formação fica totalmente comprometida”, emenda Alcilane.
Enquanto o professor não chega, os estudantes aproveitam o “tempo livre” para colocar outros conteúdos em dia. Durante a entrevista, os estudantes realizavam estudos da disciplina “História da Educação”, em preparação para um trabalho que deve ser apresentado em breve. Eles compõem a turma 1 de Pedagogia, que reúne cerca de 40 estudantes.
Quem também passa pelo problema são os recém-ingressos do curso de Engenharia de Materiais, da Faculdade de Tecnologia (FT), que estão sem aula na disciplina “Introdução à Programação de Computadores”, com carga horária de 60h. “É uma falta de respeito com a gente”, disse a estudante Roberta Bustamante, 18. Ela afirma que antes mesmo de garantir sua vaga na universidade já tinha conhecimento de algumas dificuldades a enfrentar na Ufam, entre elas, a falta de professor. “Entendo que Manaus não possui muitos profissionais formados na nossa área e que muitas vezes é o aluno que tem correr atrás”, continua.
Ela, assim como vários estudantes, só não sabe como fazer isso, pois, recém-ingressa, ainda desconhece os caminhos que pode seguir na instituição. Falta de orientação, resume. Roberta e outros 40 graduandos deveriam ter aula dessa disciplina às segundas e às quartas-feiras, das 14h às 16h.
Estudante do 3º período de Bacharelado em Química, no Instituto de Ciências Exatas (ICE), Gabriela Barros vê se repetir a situação de um ano atrás. Atualmente, ela e outros 41 alunos estão sem aulas na disciplina “Português Instrumental”, oferecida aos estudantes recém-ingressos do curso. Em 2014, ela também teve problemas em duas disciplinas obrigatórias, por falta de docente: “Matemática Básica e Álgebra Linear 1”. “O professor só apareceu faltando um mês para encerrar o período”, lembra.
Com a correria para colocar o conteúdo em dia, Gabriela e outros estudantes não conseguiram avançar. Segundo a estudante, mais da metade da turma reprovou. “Eu reprovei em Matemática por três décimos e em Álgebra por quatro décimos. Se tivesse aula desde o início do período, eu talvez tivesse passado”, comentou. A disciplina de Matemática é pré-requisito para Cálculo 1 e Cálculo 2, o que significa que a estudante só poderá cursar as duas últimas quando obtiver aprovação na primeira.
Aviso
Quem passa pelo bloco de salas de aulas do curso de Arquivologia, no Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), se depara com o aviso disponível em quase todas as portas. Mudam as disciplinas, mas o assunto é mesmo: “Disciplina aguardando professor”. “Essa é uma situação que atrapalha muito a nossa formação, pois há um peso muito grande em cima da gente quando o professor chega somente no fim do semestre”, reclama a estudante do 3º período, Luzia Acácio, 18. “Há um acúmulo de atividades”, completa o colega de turma Cleyson Bruno, 19. Eles e outros 30 estudantes estão sem aula na disciplina “Inglês”, com carga horária de 60h e cujas aulas deveriam ocorrer às segundas e às quartas-feiras, das 20h às 21h40.
Por conta no atraso do ensino na disciplina, eles afirmam temer que a situação negativa experimentada quando eram calouros se repita. “Por experiência do 1º período, quando o professor chegou somente no fim do período, tivemos que fazer tudo às pressas: várias atividades, trabalhos, seminários e provas”, afirmou Luzia. Parte da turma reprovou. O caso ocorreu ano passado na disciplina “Língua Portuguesa 1”, a mesma que está sem docente para os ingressos da turma de Arquivologia deste ano, que reúne outros 42 graduandos.
Entretanto, o problema não é exclusivo de recém-chegados à universidade. As graduandas do 5º período de Relações Públicas, no ICHL, Marina Ribeiro, 20, e Thais Caruta, 20, e outros 18 estudantes do curso enfrentam a falta de professores desde 1º semestre letivo de 2013. Atualmente, eles estão sem aula na disciplina “Legislação e Ética em Relações Públicas”. “[A falta de professor] é ruim para todo o andamento do curso e para a nossa formação”, disse Thais. “Se não tivermos agora, vamos ter que ‘pagar’ essa disciplina no período das férias”, completou Marina.
Experiência que elas não aprovaram no último semestre. Em virtude da falta de professor na disciplina “Metodologia do Trabalho Científico” no semestre letivo, a turma teve que fazer aulas nas férias, num período “muito curto para aprender”, lamentaram. Elas também levantam preocupação com o que pode ocorrer em outras duas disciplinas do curso neste período: “Produção textual para meios eletrônicos e digitais” e “Comunicação Institucional”. É que o contrato do professor responsável por ministrar essas aulas encerra antes do fim do período letivo.
Fora da sede, a situação é crítica no Instituto de Natureza e Cultura (INC), unidade acadêmica da Ufam em Benjamin Constant. Falta professor em todos os seis cursos oferecidos pela instituição no município. O problema ocorre nas disciplinas “Tópicos de Produção Animal”, no curso de Ciências Agrárias, “Sociologia”, no curso de Pedagogia e “Português Instrumental”, no curso de Letras, para citar alguns casos, entre as 65 turmas do INC. A questão foi destaque em uma reportagem produzida por uma emissora local de TV.
Editais de processo seletivo
Em resposta ao pedido de esclarecimento sobre a falta de docentes, a Reitoria da Ufam, por meio do pró-reitor adjunto de Ensino de Graduação, professor Nelson Noronha, informou que “as faculdades e institutos que solicitaram contratação de professores para comporem seus quadros foram atendidos em sua integralidade por meio de editais de processo seletivo”.
No caso específico do INC, que solicitou a contratação de 22 professores, só cinco vagas foram preenchidas, segundo Noronha, porque “não houve inscrição para determinadas especialidades ou os candidatos não obtiveram nota satisfatória” na seleção.
O pró-reitor não descartou a possibilidade de as disciplinas serem ofertadas como cursos de férias, caso não seja possível ministrá-las durante o semestre letivo. “À medida que os novos servidores forem empossados, os departamentos dos cursos farão os ajustes necessários para reposição dos conteúdos ainda no tempo regular do período”.
Expansão desordenada
Para o 1º secretário do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), Jacob Paiva, a falta de professores na Ufam e nas demais universidades públicas federais é resultado da não reposição nos últimos anos do déficit de docentes, decorrente das vagas abertas em virtude de exoneração, aposentadoria e falecimento, e acentuado pela implementação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).
“É preciso reforçar a luta pela reposição do número efetivo de docentes das vagas anteriores ao Reuni. Isso continua na ordem do dia, porém de forma ampliada pela expansão com novos cursos em novos campi que não foi acompanhada do número necessário de docentes”, ressaltou Paiva.
De acordo com o Sindicato Nacional, antes mesmo do Reuni já havia um passivo de aproximadamente 8 mil docentes nas Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes). “Isso acarreta um quadro com professores sobrecarregados, com excesso de turmas, além de casos em que o docente é forçado a ministrar disciplinas diferentes de sua área de formação”, afirmou.
A avaliação da diretoria da ADUA acompanha a análise de Paiva. “O maior problema é que o governo ampliou a quantidade de vagas no ensino superior e não aumentou, na mesma proporção, o número de docentes e técnico-administrativos”, disse a 1ª secretária da seção sindical, Ana Lúcia Silva. Para a docente, a situação é pior para os cursos noturnos. “À noite, em alguns cursos, a situação é precária: não há técnicos e alguns laboratórios não funcionam”, acrescentou, destacando ainda a indisponibilidade de serviços essenciais.
Fonte: ADUA |