Madrugada camponesa
Madrugada camponesa,
faz escuro ainda no chão,
mas é preciso plantar.
A noite já foi mais noite,
a manhã já vai chegar.
Não vale mais a canção
feita de medo e arremedo
para enganar solidão.
Agora vale a verdade
cantada simples e sempre,
agora vale a alegria
que se constrói dia a dia
feita de canto e de pão.
Breve há de ser (sinto no ar)
tempo de trigo maduro.
Vai ser tempo de ceifar.
Já se levantam prodígios,
chuva azul no milharal,
estala em flor o feijão,
um leite novo minando
no meu longe seringal.
Madrugada da esperança,
já é quase tempo de amor.
Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana,
minha alma no seu pendão.
Madrugada camponesa.
Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu canto
porque a manhã vai chegar.
Thiago de Mello (1926-2022)
Amadeu Thiago de Mello foi poeta, jornalista e tradutor. Nasceu no dia 30 de março de 1926 em Porantim do Bom Socorro, em Barreirinha (AM). Ingressou na Diplomacia na década de 1950, tornando-se adido cultural na Bolívia e no Chile. Teve a carreira interrompida pela Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Nesse período foi preso e, posteriormente, viveu exilado em países como Chile, Argentina, Portugal, França e Alemanha. Com o fim do Regime Militar, voltou à sua cidade natal e depois mudou-se para Manaus, onde viveu até sua morte. Faleceu aos 95 anos no dia 14 de janeiro de 2022, em Manaus.
A obra “Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida” (1975) rendeu a Thiago de Mello um prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte e tornou-o conhecido internacionalmente como um intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos. Um dos seus mais conhecidos poemas é “Os estatutos do homem” (1977). Entre suas publicações estão também “Faz escuro mas eu canto” (1965), “Mormaço na floresta” (1984), “Num campo de margaridas” (1986), “Manaus Amor e Memória” (1984), “Amazonas, pátria da Água” (1991) e “Amazônia – a menina dos olhos do mundo” (1992). A obra do poeta amazonense já foi traduzida para cerca de 30 idiomas.