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Seminário abordou superação da herança ditatorial e luta na América Latina



A transição da ditadura militar para a democracia se deu através de um pacto negociado “por cima”, o que significa que o regime não terminou e que sua estrutura permanece, inclusive com alguns dos atores, que vivenciaram e apoiaram esse regime, ainda em atividade. A afirmação é de Gilvan Dockhorn, professor de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que participou da mesa “Superar a herança ditatorial: o futuro da luta no Brasil”, que ocorreu na manhã de quarta-feira (1), segundo dia do Seminário Nacional da Comissão da Verdade do ANDES-SN, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre.

A fala de Dockhorn encontra sustentação até mesmo quando se fala sobre o trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Para Suzana Lisboa, gaúcha e viúva do militante assassinado pela ditadura, Luiz Eurico Tejera Lisboa, o resultado trabalho pode ser considerado decepcionante, pois não apresentou fatos novos. Quando o relatório se refere a Luiz Eurico, por exemplo, cita as informações produzidas por Suzana no relatório elaborado pela Comissão de Familiares e Mortos e Desaparecidos Políticos. “Para isso não precisava uma Comissão da Verdade”, critica ela.

Suzana disse também que é perceptível que o objetivo do governo ao criar a CNV não é de confrontar as Forças Armadas. “O Estado brasileiro assumiu a questão do resgate da memória e da verdade apenas no papel, pois na prática, apenas ratificou o que já tinha sido levantado até então”, assevera.

Herança que precisa ser revista

Um dos principais legados da ditadura militar no Brasil, de acordo com várias colocações durante o Seminário, é a violência institucionalizada. Christine Rondon, advogada e integrante do Comitê Gaúcho da Memória, Verdade e Justiça Carlos de Ré, ressalta que a violência perpassa as instituições como um todo, citando inclusive o poder Judiciário. Segundo ela, é preciso dialogar com os movimentos, com a comunidade – e isso é uma das propostas do Comitê - no sentido de conscientização para que seja feito, por exemplo, uma revisão da história oficial.

Rever a lei da Anistia

Em sua explanação sobre os seminários regionais preparatórios ao evento nacional, o professor Márcio de Oliveira, da coordenação da Comissão da Verdade do ANDES-SN, elencou alguns dos pontos que apareceram nas discussões. Um deles é de que, o processo de redemocratização do Brasil foi um dos piores da América Latina. Enquanto em outros países foram criadas comissões da verdade que levaram a punição dos que cometeram crime de violação aos direitos humanos, no Brasil o que se estabeleceu foi um processo de “conciliação”. Para Oliveira, até mesmo para entrar em sintonia com legislações internacionais, o Brasil precisa rever a lei da Anistia e assim fazer um acerto de contas com o passado.

Luta na América Latina


A última mesa do Seminário abordou a “Luta por memória e justiça na América Latina”. A conclusão, após a explanação dos participantes, foi de que em todos os países que vivenciaram regimes ditatoriais houve pressão política para que se evitasse o aprofundamento das investigações contra os crimes perpetrados contra a humanidade.

Para além das especificidades, há muito em comum, na Argentina, Chile e Uruguai, no que se refere à luta dos familiares de vítimas das ditaduras. Em ritmos próprios, cada um desses países viu a onda de otimismo quanto à apuração dos crimes de estado, na retomada de regimes democráticos, frustrada por pressão de setores que se mantiveram na estrutura do poder. Muita mobilização, aos poucos, rompeu com o silêncio e negação de responsabilidades.

“Essa luta do passado recente assume, hoje, uma posição marginal”, analisou Silvia Fabiana Larrobla, professora e pesquisadora da Universidade da República do Uruguai, em Montevidéo. “A esquerda tem um problema com o conceito liberal de Direitos Humanos. Até hoje, o pensamento marxista não gosta de debates como LBGTT, por exemplo,”, completa.

Verónica Valdivia, professora da Universidade Diego Portales (Chile) concorda. “A esquerda assume valores civis liberais, mas não tem clareza sobre direitos humanos. Todos concordam que não deve haver violações, mas muitos apoiam da repressão à delinquência”, avalia. Acrescenta ainda que “mesmo quando não há diretamente uma relação de violência, ela (esquerda) apoia reformas legais típicas de repressão. Não adianta fazer Museu de Direitos Humanos e permitir que crianças sejam feridas e maltratadas nas ruas”.

Argentina é referência

O caso argentino é considerado o mais avançado, tanto no terreno da reconstituição histórica, quanto das reparações. “Lá sim, o Estado tomou para si a luta das famílias”, avaliou Silvia Larrobla. O país é o único do continente onde os crimes sexuais foram incluídos como tortura. “Foram reconhecidos como práticas sistemáticas com objetivo de quebrar as pessoas”, disse ela.

Enrique Padrós, historiador uruguaio destacou que a Argentina tem a peculiaridade de que a cifra de vítimas de desaparecimentos forçados oscila de nove a trinta mil e foi também o último refúgio da esquerda na América do Sul. “Em 1976 (com o golpe militar), os exilados dos países vizinhos perderam a última possibilidade de se manter no Continente”.

Entre as especificidades argentinas, ganhou repercussão internacional os crimes contra crianças. Padrós explica que “diferentemente do que houve no Brasil, na Argentina, a luta por direitos humanos se transformou em movimentos sociais”. Padrós avalia que “o apagamento simbólico” de tudo que aquela geração, extirpada pelo golpe, sonhou e representou “é tão danoso quanto seu apagamento físico”. E questiona se o avanço neoliberal subsequente aos golpes, no continente, teria podido prescindir do desaparecimento forçado dessa geração contestadora.

Homenagem encerra o Seminário

A sociedade em que vivemos hoje é um reflexo daqueles que lutaram por um Brasil mais democrático, igualitário e justo. Para homenagear as personalidades que dedicaram suas vidas à luta por democracia e, por conta disso, foram torturadas, perseguidas e presas durante a ditadura militar, o Seminário Nacional da Comissão da Verdade do ANDES-SN realizou um ato, que encerrou o encontro na tarde de quarta-feira (1).

Em um primeiro momento, foram lidos os nomes dos 41 professores da UFRGS, onde foi realizado o Seminário, afastados sumariamente durante o período ditatorial (1964-1985). Os homenageados foram aplaudidos de pé pelos participantes.

Em seguida, foi realizada uma moção que será encaminhada nos próximos dias aos Conselhos Superiores da UFRGS para nomeação da sala 102 da Faculdade de Educação da UFGRS (Faced), local onde ocorreu o Seminário, em memória aos expurgos.

Encerrando o evento, o projeto “Direito em Canto & Verso” da Universidade de Santa Maria (UFSM) realizou uma apresentação artística com poesias e músicas que foram censuradas durante a ditadura no Brasil. O “canto” teve a voz e violão de Gustavo Kraemer e Paula Dürks e participação de André Curvello (gaita). O “verso” ficou ao encargo de Bia Oliveira, Carlise Dieminger, Jaqueline Bertoldo, Lucas Holz e Márcio Brum.

Resultado

O Seminário Nacional da Comissão da Verdade do ANDES-SN é o ponto culminante de uma série de eventos regionais, em todo o país, organizados pelo Sindicato Nacional, para dar conta do debate sobre a necessidade de resgatar fatos e efeitos relacionados ao período ditatorial junto à universidade, mas também a relação desses com outros segmentos da sociedade. As discussões ocorridas serão sistematizadas em um Caderno Especial do ANDES-SN, a ser lançado no 60º Conad, em Vitória (ES). Esse documento será considerado referência do Sindicato Nacional na luta pela restauração da memória histórica.

Texto de Elisa Monteiro (Adufrj SSind), Fritz Nunes (Sedufsm SSind) e Gabriela Venzke (Adufpel SSind).

Fotos: Gabriela Venzke (Adufpel SSind).

* Com edição do ANDES-SN


Fonte: ANDES-SN



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