A Assessoria Jurídica Nacional (AJN) do ANDES-SN publicou, nesta quarta-feira (3), nota técnica sobre a Portaria do Ministério da Educação (MEC) nº 555, de 29 de julho deste ano. Publicada no Diário Oficial da União (DOU), a portaria delega competências aos dirigentes máximos das autarquias e fundações públicas vinculadas ao MEC para a prática de atos em matéria disciplinar e revoga as Portarias do MEC nº 451, de 9/4/2010, e 2.123, de 10/12/2019.
Com a publicação da Portaria 555 e a polarização política, docentes temem ser perseguidos por um reitor ou uma reitora que não seja do seu espectro político. Isso porque o dispositivo dá permissão aos reitores e às reitoras para demitir servidores e servidoras em decorrência de processos disciplinares, em instância única, sem direito a recurso, como o próprio ministro da Educação ou o Presidente.
Ao mesmo tempo, juristas apontam que a norma contraria as garantias de ampla defesa previstas na Constituição Federal. A Carta Magna coloca entre os direitos e garantias fundamentais, que são cláusulas pétreas, o direito ao contraditório e de ampla defesa, com possibilidade de recurso, em qualquer processo administrativo ou judicial (inciso LV ao artigo 5º).
Por outro lado, a Lei 8.112/1990, que dispõe sobre regime jurídico dos servidores públicos, estabelece em seu artigo 104 que “é assegurado ao servidor o direito de requerer aos Poderes Públicos, em defesa de direito ou interesse legítimo”. No parágrafo 1º ao artigo 107, determina que o recurso será dirigido à autoridade superior à que tiver proferido a decisão, “e, sucessivamente, em escala ascendente, às demais autoridades”.
A Lei 9.784/1999, que regula o processo administrativo, também reconhece a possibilidade de recurso em decisões administrativas. O artigo 56 assegura que a interposição será dirigida à autoridade que proferiu a decisão e, caso não seja reconsiderada no prazo de cinco dias, será encaminhada para uma autoridade superior. O artigo 57 também estabelece que o “recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa”.
Nesse sentido, a portaria do MEC está em desconformidade com a legislação. “Se a portaria estabelece que não cabe recurso administrativo contra uma decisão proferida em primeira instância, em uma instância única, essa disposição é manifestamente ilegal e inconstitucional”, explicou em entrevista à Gazeta do Povo, o professor de Direito Administrativo da PUC-SP, Maurício Zockun.
O docente esclareceu que os servidores e as servidoras podem acionar a Justiça, caso não tenham seu direito de recorrer reconhecido. “Não há dúvidas de que esses dispositivos são inconstitucionais. Caso uma pessoa tenha sido julgada em instância única, sem direito a recurso, ela pode ajuizar um mandado de segurança a Justiça Federal para ter a interposição de recurso administrativo”, afirma.
Nota Ténica da AJN
Nos artigos 1º e 2º, a portaria estabelece a subdelegação de competência aos dirigentes máximos das autarquias e fundações vinculadas ao MEC, para:
1) julgamento de processos administrativos disciplinares e aplicação de penalidades, 2) hipóteses de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, 3) destituição ou conversão em destituição de cargo comissionado, reintegração de ex-servidores(as) em cumprimento de decisão judicial ou administrativa e a delegação para 4) julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades na hipótese de suspensão superior a 30 dias.
Com exceção da hipótese de reintegração de servidor(a), tais delegações já estavam estabelecidas na Portaria nº 451/10.
Das disposições da Portaria nº 555/22, deve ser destacada também a do § 2º do artigo 1º, que estabelece o não cabimento de recurso hierárquico ao Presidente da República ou ao ministro da Educação em face de decisão tomada pelo dirigente máximo da instituição.
“Entendemos que essa disposição é ilegal, porquanto o recurso hierárquico é previsto nos artigos 104 e seguintes da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, sendo aquele dirigido a uma autoridade fora da entidade estatal que proferiu a decisão de demissão e cassação de aposentadoria do(a) servidor(a), não podendo, portanto, ser revogado via ato normativo inferior”.
Além dessa ilegalidade, a Portaria nº 555/22 mantém a sistemática da revogada Portaria nº 2.123/19, que não previu, das decisões das autoridades delegadas, o cabimento de recurso ao colegiado máximo da instituição, mas apenas a possibilidade de pedido de reconsideração.
“Essa disposição inviabiliza frontalmente o direito de ampla defesa e recurso dos(as) servidores(as), porquanto a deliberação acerca da aplicação das penalidades fica centrada numa única autoridade e instância administrativa”, disse.
As disposições dos artigos 4º e 5º, da Portaria nº 555/22, respectivamente, preveem a sua aplicação imediata aos processos em que não houve julgamento e a indispensável manifestação dos órgãos jurídicos.
“Nesse sentido, recomendamos especial atenção à aplicação dessa novel portaria, devendo cada situação ser analisada de forma particularizada levando-se em conta as peculiaridades de cada caso concreto. Todavia, o mais indicado, tendo em conta as considerações preliminares acima tecidas, é buscar sua alteração para prever, como estabelecido na redação original da Portaria nº 451/10, a competência recursal das instâncias máximas das Ifes”.
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Fontes: com informações da Gazeta do Povo e da Circular do ANDES-SN
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