O Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH) se reúne nesta quarta-feira (13) para votar um tema polêmico: a regularização do despejo de dejetos (esgotos) dos mais de 1,8 milhão de habitantes de Manaus no rio Negro.
Prova da polêmica no assunto é que a proposta, que tem até minuta de moção a ser enviada ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), em Brasília, não encontra consenso no conselho. Especialistas criticam a medida e afirmam que qualquer ação desta natureza requer muito estudo para se saber com exatidão o impacto que o rio Negro sofreu com os dejetos despejados em suas águas, sem qualquer tipo de tratamento desde a criação da cidade, processo que se intensificou nos últimos 50 anos, bem como quais as consequências futuras da continuidade desse despejo sem tratamento.
A moção indica que não há qualquer autorização dos órgãos de controles ambientais do País para o que Manaus promove com os dejetos de seus habitantes: jogá-los no rio. De acordo com a moção, o Conama, na resolução que trata do assunto, só regularizou esse tipo de ação em mares.
Diz um trecho da moção, justificando a necessidade de mudar a resolução: “Considerando a necessidade de ajustar a resolução 430/2011-CONAMA, por tratar apenas de emissários submarinos, questão considerada inadequada às realidades locais do Estado do Amazonas, haja vista que este é banhado apenas por rios”.
De maneira genérica a moção indica que “emissários” (os canais por onde serão depejados os dejetos da cidade no rio) serão responsáveis por jogá-los em ponto longe da orla. No entanto, a moção não dá qualquer especificação sobre como se dará o serviço, nem que tipo de material será constituído os emissários, a quantidade de emissários. Sequer o nome do rio que banha a cidade (Negro) é citado na moção.
No texto, há apenas a consideração de que os “emissários” auxiliariam na “diluição, advecção, difusão, decaimento bacteriano e reações cinéticas de consumo de matéria orgânica”. Esse processo ocorreria “após pré-condicionamento em terra, para promover a máxima redução desconcentração dos poluentes lançados, visando minimizar impactos sócio-ambientais”.
A presidente do CERH, Jane de Freitas Goes Crespo, faz parte do grupo que defende a regularização da medida. Segundo ela, a medida é necessária para se melhorar o tratamento dado ao esgoto em Manaus. “Hoje conseguimos regularizar as estações de tratamento, mas não os emissários porque a resolução não está adequada à realidade da nossa região”, declarou.
Iaci aciona MPE contra a medida
O Instituto Amazônico de Cidadania (Iaci) planeja acionar o Ministério Público Federal ainda hoje para que seja analisada a proposta de jogar dejetos nos rios da região. Para o Iaci, é “perigoso” regularizar esse tipo de medida sem qualquer análise aprofundada e sem que a população tenha ampla informação sobre a questão.
O presidente do Iaci, Hamilton Leão, afirmou que o instituto ganhou assentos na Câmara Técnica do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CNRH) após a aprovação dentro da instância técnica da moção a ser enviada no Conama.
A moção ainda terá que ser aprovada no Conselho e depois será enviada ao Conama, que a partir daí irá iniciar análise sobre a mudança na resolução. “Mas certamente se já estivéssemos na Câmara Técnica teríamos votado contra, como vamos nos posicionar contra amanhã (hoje) no Conselho. Se não tiver como discutir outras propostas no âmbito do conselho, teremos que acionar a Justiça”, disse.
‘Esgoto exige tratamento’
O especialista em Hidrogeoquímica de Grandes Rios do Instituto Nacional de Pesquisas das Amazônia Sérgio Bringel afirma que em termos de saneamento básico a medida de regularizar o despejo de dejetos nos rios não tem absolutamente nada de positivo para Manaus.
“Esse tipo de efluente de esgoto não se joga fora, se trata. Embora exista um estudo assinado por outros pesquisadores que diz que essa é uma medida correta, mas nós temos outros dados e eu prefiro os dados que tenho. A indústria de fertilizantes nos EUA gera receita com isso”, declarou o pesquisador.
Pesquisadores que são contrários à medida afirmam que o rio Negro é um rio “de foz represado pelo sistema fluvial do rio Solimões e com um processo de sedimentação em curso, e que a intervenção humana nessa área para o lançamento de toda carga sanitária no rio não é aconselhável por se tratar de uma área de fragilidade ambiental”.
Bringel afirma que o que existe hoje em Manaus é o despejo de dejetos sem qualquer tipo de tratamento feito desde a década de 70 do século passado. Diz ainda que em parte da orla o odor já é peculiar por conta desse processo de despejar dejetos no rio.
“O Negro tem um sistema frágil. Qualquer produto jogado nele pode mudar o seu sistema tampão e provocar várias reações, podem modificar sua hidrogeoquímica. Vários estudos precisam ser realizados para que se comprove que realmente não vai ocorrer nada no rio Negro”, declarou.
Sérgio Bringel explicou que a mudança na resolução não é imediata. Caso a moção ao Conama seja aprovada hoje no CERH, o Conama ainda deve designar alguns estudos para que haja ou não mudança no texto da resolução atual no sentido de tornar legal o despejo de dejetos nos rios.
Fonte: Portal A Crítica |