Em decisão histórica, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que a Lei Maria da Penha (n. 11.340/2006) poderá ser aplicada a casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais. O Tribunal considerou que a legislação trata de violência baseada em gênero e não em sexo biológico. A decisão inédita abre precedente para que casos semelhantes tenham o mesmo entendimento.
O relator e ministro do STJ, Rogerio Schietti Cruz, argumentou que a discussão está rodeada de “certa transfobia” e que a população e algumas instituições reproduzem uma cultura “patriarcal” e “misógina”. O magistrado lembrou, ainda, que o Brasil é responsável por 38,2% dos homicídios contra pessoas transexuais no mundo e apontou a necessidade de "desconstrução do cenário da heteronormatividade" de modo a permitir o acolhimento e o tratamento igualitário.
"Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias", afirmou o ministro.
Para sua aplicação, a Lei define que a vítima seja mulher e que a violência seja cometida em ambiente doméstico e familiar ou no contexto de relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida. "O verdadeiro objetivo da Lei Maria da Penha seria punir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher em virtude do gênero, e não por razão do sexo", declarou Schietti, acrescentando que a violência de gênero "é resultante da organização social de gênero, a qual atribui posição de superioridade ao homem”.
Os ministros Antonio Saldanha, Olindo Menezes, Laurita Vaz e Sebastião Reis acompanharam o relator e votaram a favor do recurso e pela imposição de medidas protetivas requeridas.
Ambiente familiar
A decisão partiu do julgamento de um recurso do Ministério Público de São Paulo (MP/SP) para aplicação de medida protetiva para uma mulher trans que havia sido agredida pelo pai na casa da família. O STJ considerou o artigo 22 da Lei Maria da Penha. Anteriormente, o juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) haviam negado o pedido.
No caso em análise, o ministro verificou que a agressão foi praticada não apenas em ambiente doméstico, mas também familiar e afetivo – o que elimina qualquer dúvida quanto à incidência do subsistema legal da legislação. "A Lei Maria da Penha nada mais objetiva do que proteger vítimas em situação como a da ofendida destes autos”, disse o relator.
No caso, a mulher alegou que sofreu agressões que deixaram marcas visíveis, constatadas por policiais. Segundo ela, o pai tentou impedi-la de sair da casa, a empurrando, imobilizando e jogando contra uma parede. A mulher relatou, ainda, que foi ameaçada com um pedaço de madeira.
Mudança na lei
Diversos projetos que propõem alterações na lei Maria da Penha tramitam no Congresso Nacional. Dois destes pedem a inclusão no texto de mulheres transgênero.
No Senado, tramita o PLS 191/2017 que objetiva “assegurar à mulher as oportunidades e facilidades para viver sem violência, independentemente de sua identidade de gênero”. O projeto aguarda inclusão na ordem do dia desde junho de 2019.
Outro é o PL 8032/2014, que “amplia a proteção de que trata a Lei 11.340 às pessoas transexuais e transgênero”. O projeto foi desarquivado em 2019, mas está parado desde março do ano passado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara.
Fontes: com informações da CNN, ANDES-SN, STJ e Agência Câmara
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