Em 21 de março de 1960, mais de 20 mil negros e negras realizaram um protesto pacífico, em Johanesburgo, na África do Sul, para dar um basta à obrigatoriedade de portarem um cartão contendo os lugares por onde poderiam circular. Apesar da manifestação pelo direito de ir e vir ser pacífica, o exército atacou a multidão covardemente e matou 69 pessoas, ferindo outras 186. Em alusão a essa tragédia, marcada como o massacre de Shaperville, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu, em 1969, o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. A data se soma à luta pela justiça e contra todas as formas de discriminação.
Na Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Normas de Discriminação Racial da ONU, se reconhece o amplo conceito de que discriminação racial significa "qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade ou o efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou qualquer outra área da vida pública”.
A luta contra o racismo é urgente e deve ser diária. Há décadas, o mundo vivencia a cruel face da discriminação racial, que ideologicamente oprime homens, mulheres e crianças, desconsiderando a cultura e a história de diferentes povos, impedindo a participação de minorias nas decisões democráticas e dificultando as redes protetivas para as pessoas mais vulneráveis.
No Brasil, foi se construindo um racismo estrutural que assola a vida de negros e negras desde a invasão em 1500, alimentado pelo processo de escravidão, até as mais recentes formas de discriminação, como a ocupacional e a privação à educação. Essas formas de preconceito têm avançado nos governos de extrema direita, que ignoram direitos de povos indígenas e do povo negro, os que mais sofrem com problemas de moradia, fome, desemprego e morte.
Segundo o Atlas da Violência 2021, pelo menos 77% das vítimas de homicídios no Brasil são negras, sendo que a chance de uma pessoa negra ser assassinada é 2,6 vezes maior do que uma pessoa branca. Grande parte dessa violência recai sobre as mulheres negras, que representam 67% das vítimas, de um total de 50.056 mulheres assassinadas entre 2009 e 2019.
Em tempos em que países estão em guerras, o mundo vê ainda a xenofobia aumentar contra os refugiados e as refugiadas, provenientes das guerras que, para além da Ucrânia, atingem a Síria, Somália, Etiópia e Iêmen, a maioria esquecida pela mídia hegemônica.
O 21 de março é um dia luta pela eliminação da discriminação racial e por políticas de reparação para garantir acesso a emprego, educação, saúde, demarcação de territórios indígenas e quilombolas e valorização das culturas.
Que saia da garganta o canto pela igualdade, tolerância e respeito às diferenças e à diversidade étnica, realidades sonhadas pelo povo negro e entoadas por Milton Nascimento em "Lágrimas do Sul":
Reviver
Tudo o que sofreu
Porto de desesperança e lágrima
Dor de solidão
Reza pra teus orixás
Guarda o toque do tambor
Pra saudar tua beleza
Na volta da razão
Pele negra, quente e meiga
Teu corpo e o suor
Para a dança da alegria
E mil asas para voar
Que haverão de vir um dia
E que chegue já, não demore, não
Hora de humanidade, de acordar
Continente e mais
A canção segue a pedir por ti
(a canção segue a pedir por nós)
África, berço de meus pais
Ouço a voz de seu lamento
De multidão
Grade e escravidão
A vergonha dia a dia
E o vento do teu sul
É semente de outra história
Que já se repetiu
A aurora que esperamos
E o homem não sentiu
Que o fim dessa maldade
É o gás que gera o caos
É a marca da loucura
África, em nome de deus
Cala a boca desse mundo
E caminha, até nunca mais
A canção segue a torcer por nós
Fontes: Declaração ONU, Câmara Legislativa e Atlas da Violência 2021 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
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