Especialistas e dirigentes das centrais sindicais ouvidos pela reportagem da Rede Brasil Atual (RBA) avaliam que as reações do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) e da Justiça do Trabalho contra a greve dos metroviários de São Paulo são sintoma de um avanço da criminalização dos movimentos de trabalhadores no país, que seguem à mercê de repressão física e jurídica, mais ainda com a perspectiva de mudanças na legislação pertinente às greves no serviço público.
Um relatório da Comissão Mista do Congresso Nacional propõe maior rigidez sobre a ação grevista nos serviços públicos, elevando praticamente todas as categorias do funcionalismo a "serviço essencial", além de definir que a greve só pode ocorrer com paralisação parcial e nunca com 100%.
O relatório da comissão é de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR) e proposto como substitutivo ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 710, de 2011, de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). O tucano já havia elevado de 11 para 21 os serviços considerados essenciais e Jucá somou à lista outros dois, incluindo, por exemplo, os serviços diplomáticos e de educação infantil e fundamental, implicando quase todas as categorias nessa condição.
Ambos os textos fixam um percentual mínimo de trabalhadores que devem permanecer nos postos durante o movimento grevista. O "piso" de trabalhadores que devem continuar na ativa em caso de greve, pelo projeto de Jucá, ficaria em 50% da categoria, em qualquer caso. Se o serviço é considerado essencial, o percentual sobe para 60%. E no caso da segurança pública, passaria a ser obrigatório que 80% dos trabalhadores sigam nos postos. A lei é dura: se esses percentuais forem desrespeitados, a greve será imediatamente considerada abusiva, sem necessidade de julgamento da Justiça do Trabalho sobre o assunto.
A Lei 7.789, de 1989, que trata do "exercício do direito de greve" não define um mínimo de trabalhadores em atividade nos serviços essenciais, mas coloca a questão como responsabilidade de trabalhadores e patrões, que devem definir o percentual em comum acordo. A nova norma, que independe de diálogo entre trabalhadores e patrões, retira os empregadores inteiramente do debate.
A mesma norma define 11 serviços como essenciais, como, por exemplo, o tratamento e o abastecimento de água, a assistência médica e hospitalar, o transporte coletivo e o controle de tráfego aéreo.
Metroviários
Após o descumprimento, por parte do sindicato, da determinação sobre a quantidade mínima de trabalhadores na ativa, a Justiça impôs uma segunda multa, de R$ 500 mil por dia, para impedir a continuidade da paralisação. A Justiça Trabalhista decidiu ainda pelo desconto dos dias parados e autorizou a demissão de grevistas – o que se realizou no dia seguinte ao julgamento, dia 9 passado, quando 42 dirigentes e delegados sindicais foram dispensados por justa causa. Dias antes, o governo paulista já havia recorrido à força da Tropa de Choque da Polícia Militar para acabar com um piquete na estação Ana Rosa, da Linha 1-Azul do Metrô.
Para o especialista em direito Jorge Luiz Souto Maior, a questão é ainda mais grave e histórica. "O Brasil sempre foi um estado repressor aos trabalhadores. Historicamente, o direito de greve ainda está por ser construído", avaliou. Para ele, a legislação de 1989 já pode ser considerada restritiva e caminha para se tornar ainda pior graças aos textos em discussão no Congresso. "Em vez de avançarmos, estamos retrocedendo", afirmou.
O especialista considera que os únicos atos de ilegalidade durante o processo da greve, iniciado dia 5 último, foram do governo estadual e do Judiciário. "Os trabalhadores seguiram todos os passos da legislação para a realização da greve. A série de ilegalidades que se viu foram as ações para afastá-los da greve", explica. Entre elas, Souto Maior destaca a imposição de 100% de operação dos trens em horário de pico, não se dispor a negociar esse atendimento mínimo e o uso de força policial para impedir piquetes.
A Justiça do Trabalho chegou ainda a congelar preventivamente R$ 3 milhões do Sindicato dos Metroviários de São Paulo para garantir o pagamento das multas pelas paralisações que se concretizaram após o julgamento do TRT, que somam R$ 900 mil, e também das que poderiam ter ocorrido, caso os trabalhadores seguissem com a greve por mais dias. Criticado pelo golpe às finanças da entidade, o tribunal voltou atrás e definiu o congelamento do valor exato das multas devidas.
"Fica transparecendo que, de fato, há uma represália para meter medo na classe trabalhadora. E não só nos metroviários, mas em todos os trabalhadores", pondera Souto Maior.
Uma situação semelhante ocorreu em 1995, quando os petroleiros realizaram uma paralisação nacional que durou 32 dias, com o objetivo de impedir a privatização da Petrobras. O Tribunal Superior do Trabalho julgou a greve abusiva no sétimo dia e o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002) demitiu 88 trabalhadores e puniu centenas com suspensões e advertências. Cada um dos 20 sindicatos estaduais que participaram da paralisação recebeu multa de R$ 2,1 milhões.
Apenas em 2003, graças à chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) conseguiu a anistia contra 88 demissões, 443 advertências, 269 suspensões e 750 punições de trabalhadores que participaram das greves.
Há reações contra a intransigência do Metrô e do governo paulista, mas tímidas. Nesta sexta-feira (13), a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego autuou o Metrô por atitude antissindical devido às demissões. O superintendente Luiz Antonio de Medeiros afirmou em entrevista coletiva, logo após a assembleia dos metroviários que decidiu por não realizar greve ontem (12), na abertura da Copa do Mundo, que "o Metrô desrespeitou as leis brasileiras e internacionais sobre direito de greve. Os fiscais constataram que as demissões se deram por prática antissindical e não por supostos atos violentos".
*Com edição do ANDES-SN e foto de Sindicato dos Metroviários de SP
Fonte: Rede Brasil Atual |