Pista vazia, tráfego leve e sensação de liberdade. Elementos característicos da estrada que liga o portal de entrada da sede da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) ao setor norte da instituição poderiam compor perfeitamente o “set” de filmagens de mais um longa da série “Velozes e Furiosos” – franquia americana que caiu no gosto popular. Mas, esse tripé também é o cenário de um “roteiro” que tem desagradado a comunidade acadêmica: o aumento no número de acidentes de trânsito na universidade.
De janeiro a dezembro de 2013, foram registradas 32 ocorrências, entre batidas leves até acidentes mais graves, praticamente três casos por mês, um acréscimo de aproximadamente 360% em comparação ao mesmo período de 2012, quando foram notificados sete casos. Os dados fazem parte dos relatórios da Divisão de Segurança do Campus Universitário.
“Esse é um dado preocupante porque nós estamos na iminência de uma tragédia com vítimas fatais na estrada do Campus”, prevê o diretor da Divisão de Segurança, Américo Siqueira, servidor da instituição há quase 30 anos. O prognóstico negativo do diretor leva em consideração o aumento expressivo de casos nos últimos anos, tão rápido quanto alguns motoristas que usam a via. “É comum os condutores passarem na pista numa faixa de 80 km por hora, o dobro da velocidade permitida”, lamenta o servidor.
Na avaliação do diretor, a imprudência dos condutores, somada à negligência e excesso de velocidade, é um dos principais responsáveis pela alta na quantidade de acidentes. “Muitas pessoas não se conscientizam do perigo que oferecem para a comunidade em geral e também para a fauna, quando dirigem sem cautela”, disse. Para ele, tal comportamento exige a realização permanente de campanhas sobre trânsito seguro.
Fazendo coro com Siqueira, o chefe do Departamento de Geografia da Ufam, professor Marcos Castro, disse que a imprudência é fator predominante, considerando que as vias do campus não são de tráfego intenso. “O condutor pode ter aqui a falsa sensação de liberdade, em virtude da ausência de obstáculos ao longo da via. Com isso, muitos acabam extrapolando os limites de velocidade”, afirmou o mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia.
Apesar de considerar que a tomada de atitudes perigosas no trânsito não tem relação com falta de conhecimento, Castro avalia que é essencial investir em campanhas de sensibilização da comunidade acadêmica. “Além de respeitar a legislação, essa é uma atitude que pode ajudar a preservar a vida do próprio condutor, de ciclistas e de pedestres”, pondera o professor, destacando também a presença de animais na estrada do campus.
Para o doutor em Ciências em Engenharia de Transportes pelo Programa de Engenharia de Transporte da COPPE/Universidade Federal do Rio de Janeiro e também docente do Departamento de Geografia da Ufam, professor Geraldo Alves, além do crescimento no número de automóveis que acessam o campus da instituição, em função da política de transporte urbano adotada em Manaus – e no país, em geral – e o forte lobby da indústria automobilística, essas ocorrências são impulsionadas por outros fatores indutores.
Geraldo destaca que a universidade é um “polo gerador de viagens” também para expressiva parcela jovem da comunidade, em geral inexperiente. “São jovens que acabaram recente o ensino médio, retiraram a carteira de habilitação, foram aprovados na universidade e, em alguns casos, receberam como presente da família um automóvel”.
Mas, ele ressalta que o envolvimento de jovens em acidentes de trânsito não é exclusivo da Ufam. Em todo o país, as ocorrências dessa natureza têm maior incidência na faixa etária de 19 a 34 anos. “Na verdade, essa predominância é mundial”, amplia o professor, cuja pesquisa de doutorado analisou os aspectos relacionados à circulação e aos acidentes de trânsito em Manaus, ocorridos de 2000 a 2006.
Alves inclui ainda a estrutura viária da Ufam como um componente potencial para acidentes de trânsito na universidade. “O campus tem vias bastante sinuosas e alguns trechos com qualidade do revestimento asfáltico ruim. Mas, principalmente, a sinuosidade das vias, com subidas e descidas, pode surpreender o motorista menos experiente e mais afoito”, alerta.
Ausência de política
Ele acrescenta que medidas práticas na pista poderiam contribuir para a redução do risco de acidentes. “Concretamente, a universidade deveria adotar redutor de velocidade em certos trechos, a exemplo de lombadas, e proteger essas áreas em que a via contorna desfiladeiros, com muretas ou defensas metálicas”, disse o professor, levantando preocupação, sobretudo, com o trecho da estrada do setor Norte que dá acesso à reitoria e a algumas unidades acadêmicas, onde há um desfiladeiro de aproximadamente dez metros. “Um ônibus que perca ali o freio ou a direção, pode gerar muitas vítimas”, prevê. “Melhor seja que não precisemos de uma desgraça para tomar medidas”, completou.
Na tese, o docente constatou que há uma fragilidade nos dados e também falta de zelo do poder público no trato da questão, o que se repete na universidade. Para Alves, não faltam mecanismos, mas vontade política. “Não há uma política que a Ufam adote em relação à mobilidade dentro do campus. Ela simplesmente abre sua principal entrada e deixa que as pessoas usem as vias de circulação do jeito que lhe interessar”, critica o professor doutor.
A instituição deveria chamar para si a responsabilidade e pensar criticamente numa alternativa diferente da equivocada política de mobilidade urbana brasileira, que supervaloriza o automóvel e dá pouca atenção ao transporte público e aos modos não motorizados de deslocamento, como a caminhada e ciclismo. “Aqui [Ufam] é uma reprodução do que temos lá fora”, disse.
A reportagem procurou a administração superior da Ufam para saber se a instituição possui alguma política ou ações permanentes relacionadas a trânsito seguro na sede e demais unidades e também se estão previstas medidas para melhorar as condições das vias. Por meio da Assessoria de Comunicação, a reitoria se limitou a informar que a Prefeitura do Campus possui na agenda um projeto para sinalização na estrada do sede e que está em andamento, desde o dia 13 de fevereiro, o trabalho de sinalização de vagas destinadas a idosos, pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida nos estacionamentos da universidade.
No início do mês de abril, a reportagem também entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas (SSP-AM), por meio da Assessoria de Comunicação, para obter as estatísticas da Delegacia Especializada em Acidentes de Trânsito (Deat), mas não obteve retorno.
Imagem de Destaque: Márcio Silva/ A Crítica
Fonte: Adua |