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Projeto de lei antiterrorismo ameaça direito de manifestação



O direito de livre manifestação dos brasileiros está sob ataque. Essa é a avaliação de Organizações da Sociedade Civil a respeito de uma série de projetos em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado que visam endurecer de diversas maneiras a legislação e ameaçam criminalizar protestos de rua.

O mais falado deles é o PLS 499/13, chamado de Lei Antiterrorismo, proposta resgatada no Senado como uma resposta à trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão disparado por manifestantes durante confronto com a polícia no Rio de Janeiro. Com artigos vagos e abrindo espaço para interpretações que tratem movimentos sociais como criminosos, a lei tem sido vista como um ataque aos direitos de manifestação e organização.

O PL é um entre 14 outros projetos em tramitação nas duas Casas do Legislativo que afetam as manifestações de rua, segundo levantamento publicado pela ONG Artigo 19.

Em nota pública, a Abong alertou para as tentativas de “criminalizar o protesto”, ameaçando o direito de expressão.  “Para quem viveu na ditadura, ou para quem conhece um pouco da história do nosso país, parece que estão querendo ressuscitar a ‘Lei de Segurança Nacional’. Estão querendo criminalizar o protesto. Estão querendo caracterizar manifestações como risco para a segurança dos/as cidadãos/ãs. Um dos elementos fundamentais da democracia é o direito à liberdade de expressão, de opinião, de manifestação. Um ambiente social pacífico não pode ser conquistado às custas deste direito”, afirma o texto.

“Tratar manifestações assim significa um risco de retrocesso. Manifestação não é ato terrorista. Claro que têm ocorrido atos de violência que não podem acontecer, mas teria que ver todos os casos, inclusive quando a policia mata”, lembra Cândido Grzybowski, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

“É péssimo que o tema seja pensado nesse contexto, diretamente relacionado à morte de um jornalista. Parece estar atendendo às pressões da mídia sobre esse caso e não levando em conta outras mortes, as ações violentas da polícia”, lembra Cândido Grzybowski, diretor do Ibase.

Outra nota assinada por diversos movimentos e organizações da sociedade civil denuncia que a “violência no contexto das manifestações não é de hoje”. Segundo o texto, “contabilizam-se ao menos 18 mortes em todo o Brasil, incluídas neste número as execuções de nove moradores da Maré durante uma operação da PMERJ, com apoio da Força Nacional de Segurança, no dia 24 de junho, a partir da justificativa de ‘buscar suspeitos’ de terem realizado um arrastão durante uma manifestação em Bonsucesso”.

A nota registra ainda ao menos 118 agressões a jornalistas em todo o Brasil desde junho de 2013, a maioria delas cometidas pela polícia, além de incontáveis manifestantes atingidos gravemente por balas de borracha e estilhaços de bombas de efeito moral.

“A polícia carrega no seu seio o espírito terrorista. Vem do período militar a concepção que ela aplica hoje. Continuam matando como matavam, torturando como torturavam, não mudou muito. Ela foi preparada para a repressão e continua fazendo. Quando chega a uma manifestação, chega com a mesma cultura, não sabe como tratar. Ela mostrou isso ano passado, em São Paulo, no Rio e em outros lugares. Em parte, a polícia ajudou a criar o problema, porque a atuação dela não é para garantir o direito de manifestação, mas para reprimir”, alerta Cândido.

O diretor do Ibase questiona a postura da mídia perante as manifestações, em especial seu papel ao alimentar a comoção em torno da trágica morte de Santiago.

“A mídia está há tempos falando em vandalismo e foi a morte de um cinegrafista que fez eles reagirem. É muito esquisita essa posição. É como se a mídia também estivesse numa escalada de violência”, afirma. “A mídia tenta pautar as manifestações. No início ela apostou que isso ia desestabilizar o governo. Quando ficou mais claro que estavam em questão direitos e não a corrupção, que era do que ela queria tratar, especificamente contra o PT, ela rapidamente muda de posição e passa a chamar os manifestantes de vândalos.”

PL ignora discussão internacional sobre terrorismo

Para Camila Marques, advogada do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da ONG Artigo 19, o PL 499 tem problemas e imprecisões graves e não deveria ser levado adiante. “Não seria um benefício mudar alguns artigos, essa lei não deveria existir no ordenamento jurídico brasileiro. O projeto deixa espaço para criminalizar grupos que não são terroristas, mas movimentos sociais”, defende.

“Em todos os artigos o PL reflete algo muito genérico, conceitos que não são muito bem definidos. Isso é um problema porque aí cabe ao juiz decidir aquele conceito. Um exemplo problemático é o conceito de ‘provocar pânico e terror’. Como definir o que é pânico? Como é provado que essas situações foram provocadas? Isso o projeto não define”, analisa.

Essas brechas abrem espaço para que a lei seja usada contra manifestações e movimentos sociais legítimos. Por exemplo, o texto caracteriza como terroristas manifestações em palcos tradicionais de reuniões populares, como estações de metrô, barragens, escolas e estádios esportivos. Em outro artigo, cria penas para o financiamento do terrorismo – abrindo espaço para que apoiadores e doadores de movimentos sociais e organizações possam ser criminalizados junto com as entidades.

Camila também ressalta artigos do projeto que se sobrepõe a legislações já existentes. “Ele traz a possibilidade de punição para ‘terrorismo contra coisas’, por exemplo. Eu questiono a necessidade desse artigo, pois já temos no Código Penal o crime contra o patrimônio”, explica. Além disso, as penas previstas são mais altas do que o Código Penal dispõe para outros crimes, novamente entrando em atrito com a legislação existente.

Para ela, a proposta ignora todo um debate internacional já consolidado sobre o que define terrorismo e como combatê-lo. “Há todo um protocolo internacional da ONU e de outras entidades que coloca as condições do que deve ser visto como terrorismo. No Brasil, não temos acúmulo de discussão sobre isso. A gente vê novamente os congressistas e a comunidade envolvida a favor desse PL não estão discutindo com base nesses documentos internacionais que há tempos debatem o que é terrorismo, como deve ser uma lei a respeito disso. Entender como terrorismo essas práticas de movimentos sociais e ações na rua acontece porque nunca discutimos o que é terrorismo”, lamenta.

O debate a respeito do direito de manifestação, reacendido após as Jornadas de Junho, no ano passado, chega a um ponto crucial, alimentado por um cenário político agitado tanto pelas eleições de outubro quanto pela Copa do Mundo em junho. Para as OSCs, interessa inverter o rumo indicado por tais projetos de lei e discutir caminhos para ampliar a democracia, incluindo mudanças na cultura da polícia brasileira.

Fonte:
Observatório da Sociedade Civil



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