Representantes da CSP-Conlutas e de diversas organizações dos movimentos sindical e social se reúnem nesta semana com parlamentares em Brasília para denunciar o aumento da criminalização dos movimentos sociais.
Para abordar a questão, foi elaborado um documento, que será distribuído no Congresso Nacional e à imprensa, com a assinatura de várias entidades, que denuncia a tentativa dos governos em aprovar leis com o objetivo de criminalizar as lutas e impedir as manifestações. A nota chama a atenção para as ações do governo federal que permitem o uso das Forças Armadas durante a realização da copa do mundo, leis antiterrorismo, e até mesmo a tentativa de impedir que haja greve no período que se antecede ao evento.
O documento ressalta que a população está indo às ruas por investimentos de qualidade em saúde, educação e nos serviços públicos em geral. “Por que os parlamentares e governantes não falam em votar leis que garantam a todo o povo o acesso a esses direitos? Estas leis, sim, ajudariam efetivamente a resolver conflitos”, frisa um trecho do documento. Mas, ao invés de o governo atender ao chamado das ruas, a resposta é dada com mais repressão e criminalização.
Ainda de acordo com a nota, o governo está se aproveitando de atitudes isoladas, como o caso da morte do cinegrafista Santiago de Andrade, para intimidar o povo de ir às ruas protestar legitimamente. Ao final do documento, as entidades conclamam o Congresso Nacional a retirar da pauta todos os projetos de lei que criminalizam as lutas e exigem por parte do governo o respeito às liberdades democráticas.
Pela desmilitarização da polícia
Em entrevista concedida à Adufrj, Seção Sindical do ANDES-SN, o cientista político e antropólogo Luiz Eduardo Soares falou sobre a necessidade de desmilitarizar a polícia. Soares é especialista em segurança pública, e nos momentos em que foi convocado para exercer funções de Estado – como secretário de Segurança no governo de Anthony Garotinho e ocupou a Secretaria Nacional de Segurança Pública no governo Lula – teve a trajetória neutralizada por formas conservadoras. Professor da Uerj, Soares é um dos formuladores da PEC 51, que propõe a desmilitarização a polícia.
Confira a seguir:
Por que desmilitarizar a polícia?
A estrutura militar de hierárquica rígida se justifica pela guerra, quando os soldados vão à morte. Ela foi criada para mobilizar contingentes humanos e de recursos numerosos. Mas a polícia que vai lidar com cidadãos, conforme indica a Constituição Federal, deve ter como missão evitar a violação de direitos.
O que propõe a PEC 51 que o senhor ajudou a formular?
O fim do ciclo fraturado do trabalho policial que hoje se traduz na existência de uma polícia ostensiva (PM) e uma polícia judicial- investigativa (Civil), com a unificação das polícias. Também é importante reconhecer as diversidades regionais do Brasil. As soluções para o Amazonas devem ser diferentes das para São Paulo. Uma camisa de força homogênea não responde às necessidades de cada região. Além disso, deve ser revista a participação da União e Municípios na política de segurança. O último ponto decisivo está nas instituições de segurança pública assumindo como missão a garantia dos direitos, como indica a Constituição Federal.
O que fazer com os policiais que já estão na corporação?
Como qualquer mudança institucional, a desmilitarização não pode ser feita com o fígado, até para não promover grandes injustiças. Eu recebo denúncias diárias de trabalhadores da segurança pública sobre as humilhações, o desrespeito, a opressão, torturas e todas as formas de arbítrios a que são submetidos. Homens e mulheres policiais são submetidos não só a processos devastadores, que chamamos grosseiramente de lavagens cerebral, mas a leis internas inconstitucionais. Por que o superior pode prender subalternos sem qualquer justificativa ou formalização? Isso acontece em praticamente todos os estados do país. E depois, recebem um salário indigno completamente incompatível com desafio enfrentado no dia a dia, arriscando as vidas. A desmilitarização é condição ao acesso à cidadania, aos direitos elementares, ao direito à sindicalização dos policiais militares. Para que possam respeitar os cidadãos, precisam também conhecer a cidadania. Devemos ser solidários a eles nas suas lutas.
Qual a sua opinião sobre os Black Blocs?
Avalio que trazem aspectos negativos, mas uma leitura simplista seria injusta. Eu sempre fui pacifista, mas reconheço que anos a fio emiti o mantra: ‘há um genocídio nas favelas contra as comunidades negras e pobres. E não é possível que continuemos a dormir, repousando diante desse quadro de horror. É preciso tocar as buzinas, bater as panelas, acorda a população, promover a insônia coletiva, pois é impossível naturalizar este quadro’. De repente, alguns jovens começam a quebrar vitrines. Concordar, eu não concordo. Não acho que seja uma boa linguagem. Mas como criticar essa ação unilateralmente quando sei que a raiz desse ódio e indignação é legítima? Por mais que avalie ser uma simbologia pobre e equivocada, reconheço que eles estão batendo tambor. Eles estão provocando a insônia, pronto. Isso cumpre um papel importante.
Mas estava evidente que haveria um momento em que teríamos um cadáver aos pés e que as consequências seriam terríveis, pois todo jogo conservador está no isolamento de um grupo e na criminalização das manifestações. Foi o que aconteceu, e agora estamos diante desse desafio terrível. Intencional ou não, os resultados concretos, a morte de uma pessoa, foram inadmissíveis. A prática do Estado já é a brutalidade, então qualquer linguagem que reproduza esses gestos, para mim, acaba mimetizando a sua pior feição.
* Com informações da CSP-Conlutas e da Adufrj – Seção Sindical do ANDES-SN
* Imagem extraída do facebook da CSP-Conlutas
Fonte: ANDES-SN |