Após denúncia e solicitação ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) feita pela CSP-Conlutas sobre o caso dos seis operários piauienses resgatados pela Central, que estavam vivendo sob condições de trabalho análogas à escravidão em São Paulo, a entidade participou, na manhã desta quarta-feira (29), de uma audiência com o secretário de Relações de Trabalho do MTE, Manuel Messias Melo, em Brasília.
A reunião contou com a presença do 1º vice-presidente da Regional Norte 2 do ANDES-SN, José Queiroz Carneiro, que representou a CSP-Conlutas na ocasião, e de um dos operários resgatados, que fez um relato sobre as condições em que o grupo estava vivendo durante o tempo em que trabalharam para a empreiteira Netão de Construções Ltda e as ameaças que os trabalhadores sofreram. O secretário de Inspeção do Trabalho do MTE, Paulo Sérgio de Almeida, e a auditora Fabíola Oliveira, encarregada das questões relacionadas ao trabalho escravo, também participaram da audiência.
De acordo com Carneiro, Manuel Messias afirmou que o caso é de responsabilidade da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo, e deve ser encaminhado para que as providências sejam tomadas por esta instância do MTE. “Após pressionarmos o Ministério, o secretário se comprometeu em fazer uma articulação com o Medeiros [superintendente Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo] para agilizar a reunião com as empresas envolvidas para resolver o problema dos seis trabalhadores, que foram resgatados no dia 19, e dos outros que ainda estão sob esta situação, mas orientou a CSP-Conlutas a também pressionar a Superintendência”, explica o diretor do ANDES-SN.
Os operários, que permanecem provisoriamente em São Paulo e recebem o apoio da CSP-Conlutas e do Sindicato dos Metroviários de SP, aguardam, desde 20 de janeiro - data em que a CSP-Conlutas protocolou denúncia diretamente no Gabinete do superintendente da SRT-SP, Luiz Antônio de Medeiros - a realização de uma “mesa redonda” para tentar solucionar o problema. Entretanto, ainda não houve nenhum agendamento.
O operário Antônio José da Silva, que esteve presente na audiência desta quarta-feira (29), afirma que uma primeira denúncia já havia sido feita ao MTE, em São Paulo, no dia 12 de janeiro. “Apesar da denúncia, nada foi feito, e não teve nenhuma fiscalização. Achei que eles iriam à obra para ver as irregularidades, mas o processo não andou em São Paulo. Não foram nem no alojamento e nem na obra. Passamos a ser ameaçados de morte pelo dono da empreiteira, que soube da denúncia que fizemos e, por medo, paramos de trabalhar no dia 16”, relata.
“O Ministério afirmou que não pode configurar a condição de trabalho escravo porque não houve fiscalização pela Superintendência em São Paulo. Eles admitiram que houve falha, e que esta situação faz com que as fiscalizações passem a ser realizadas neste e em outros locais”, acrescenta o diretor do ANDES-SN.
Segundo Silva, no dia 17 de janeiro, eles foram resgatados por representantes do Sindicato dos Metroviários de São Paulo e pela CSP-Conlutas, e passaram a ficar em um alojamento cedido pelo Sindicato. O operário acrescenta que, além dos seis colegas que foram resgatados, outros seis passaram pela mesma condição, e ainda há denúncias de que outros trabalhadores, que deixaram a empreiteira em dezembro de 2013, ainda estão com a carteira de trabalho retida, situação vivida atualmente por Silva.
Atrasos no pagamento dos salários e desrespeito aos direitos trabalhistas, as péssimas condições de trabalho a que estavam sendo submetidos em uma obra em Poá, na Grande São Paulo, além das constantes ameaças de morte recebidas após o dono da empreiteira ter conhecimento da denúncia feita no MTE, fez com que os operários procurassem a CSP-Conlutas para pedir ajuda. As empresas denunciadas são: Empreiteira Netão de Construções LTDA e Construtora e Incorporadora Fareinos.
Os operários relatam que o empregador os obrigava a cavar horas a fio sob o sol quente em buracos de quase dois metros de profundidade, sem os equipamentos de proteção necessários. Os trabalhadores reclamaram ainda da falta de uniforme de trabalho, de estrutura no alojamento.
“Espero que as coisas se acelerem e que eles recebam seus direitos e indenizações, possam retornar para as suas famílias, recompor as forças e encarar novamente os desafios da vida. Mas também espero que haja punição direta às empresas e atravessadores responsáveis por este crime”, disse Atnágoras Lopes, membro da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas, às vésperas da audiência.
Entre sonhos e ameaças
Antônio José da Silva, casado e pai de uma criança de quatro anos, decidiu sair da cidade de Barras, no Piauí, após saber de uma proposta de emprego em São Paulo. Depois de dois dias de viagem, um grupo de trabalhadores chegou à cidade no dia 8 de setembro de 2013. Dois dias depois, o operário começou a trabalhar em uma obra em Poá, com outras 120 pessoas. Já no segundo mês, os problemas começaram. Atrasos no pagamento e falta de informação por parte do empregador, espaço inadequado para alimentação e falta de estrutura e equipamentos que garantissem a segurança integral dos operários. “Na obra, além das filas enormes, a comida ficava misturada no meio da obra, com muita sujeira e restos de comida no chão, além de muita lama. No alojamento, tínhamos que percorrer dois quilômetros para almoçar e jantar, para chegar ao restaurante que arrumaram. Não tinha comida no alojamento, só água”, conta.
E depois de dois meses sem receber, dezembro e janeiro, o grupo resolveu fazer a primeira denúncia, no dia 12 de janeiro. “Assim que soube da denúncia, o dono da empresa passou a nos ameaçar de morte, dizendo que ia dar um tiro na nossa cara. ‘Como vocês querem acertar: na bala ou na briga’, dizia ele”, relata Antônio. O operário afirma ainda que outro grupo, que começou a trabalhar em depois, recebeu apenas R$ 150 “para não ficar sem dinheiro nas festas do fim do ano”. Após serem ameaçados por pelo menos três vezes, os seis operários decidiram pedir ajuda para a CSP-Conlutas.
Antônio conta que só continua em São Paulo até a situação ser resolvida com a empresa, e espera um acordo. Ele quer receber os salários atrasados, e os direitos que possui e não foram pagos. Depois, afirma que “vai passar um tempo sem ir a São Paulo”. “Quero voltar para casa e ir atrás de outro emprego”. Esperançoso, o operário já faz planos: pensa em buscar uma boa oportunidade em Recife, após conversa com um amigo.
Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo
A audiência foi realizada dois dias depois do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, celebrado em 28 de janeiro. Pelo país, atos e debates realizados por entidades públicas e organizações da sociedade civil marcaram a data, com o objetivo de chamar a atenção para o problema e exigir a erradicação desta forma degradante de trabalho.
A data de 28 de janeiro foi oficializada como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo em homenagem aos auditores fiscais do trabalho Nélson José da Silva, João Batista Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves, além do motorista Aílton Pereira de Oliveira, que foram brutalmente assassinados nessa data, em 2004, durante fiscalização na zona rural de Unaí (MG), a mando de fazendeiros que haviam sido autuados por usarem trabalho escravo.
Em Brasília, um ato público em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) lembrou o décimo aniversário desse episódio, que ficou conhecido como a “Chacina de Unaí”, exigindo celeridade no julgamento dos envolvidos no crime.
Situação comum
Em outubro de 2013, a CSP-Conlutas resgatou 37 trabalhadores em condição suspeita à de escravidão em um alojamento no Riacho Fundo 2, no Distrito Federal. Alojados em condições precárias e com a carteira de trabalho retida, o grupo era submetido a jornadas de trabalho de cerca de 15 horas diárias.
* Com informações da CSP-Conlutas e Instituto Ethos
* Imagem: extraída do site Instituto Ethos
Fonte: ANDES-SN |