A Câmara dos Deputados acionou o botão “passar a boiada”, na volta do recesso parlamentar e aprovou, nesta terça-feira (3), o Projeto de Lei (PL) 2.633/20, conhecido como PL da Grilagem. Na prática, o texto regulariza o roubo de terras públicas, facilita o desmatamento e favorece a impunidade de crimes ambientais. O texto segue agora para votação no Senado.
Aprovado na Câmara com 296 votos a favor e 136 contra, o projeto enfrenta ampla rejeição de ambientalistas. Na prática, o texto permite a privatização de terras públicas, pois confere título de propriedade privada a quem ocupou e desmatou, possibilitando inclusive a comercialização futura da área.
“Ao regularizar ocupações, sem sequer garantir a vistoria prévia e dispensando exigências mínimas, é a entrega de patrimônio público para quem desmatou, invadiu e roubou terras da União. Sem falar que é um selo de impunidade que só serve para acirrar conflitos agrários e violências cometidas por latifundiários e grileiros pelo país”, disse o advogado e integrante do Setorial do Campo da CSP-Conlutas Waldemir Soares Jr.
Mudanças
O texto permite que ocupações de terras da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em todo o país poderão ser regularizadas. O PL também amplia o tamanho de terras passíveis de regularização e a regra que dispensa vistoria prévia da área, bastando análise de documentos e de declaração do ocupante de que segue a legislação ambiental.
A regularização com base nessa lei poderá beneficiar posseiros multados por infração ambiental. O PL garante anistia de multas e renegociação. O texto amplia para cinco anos o prazo para renegociação de contratos de regularização fundiária, no caso de descumprimento de acordo firmado com órgãos fundiários federais até 10 de dezembro de 2019.
Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) rechaçou o PL 2633 e reforçou a importância do governo priorizar a regularização fundiária por meio da atual legislação (Lei nº 11.952/09) para garantir segurança jurídica a agricultores e agricultoras.
"Esse projeto representa um grande retrocesso e vem sendo denunciado pela Contag há tempos, pois não tem o objetivo de beneficiar a agricultura familiar, como vem propagando a base aliada do governo federal. Na verdade, alertamos que pode trazer graves prejuízos a este público, tais como o aumento dos conflitos agrários, sobreposição de área dos agricultores e agricultoras e a possível regularização da grilagem e do desmatamento nas terras da União", afirmou a entidade.
Para a integrante da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Kelli Mafort, o PL é a regularização do crime de grilagem. “Pelo menos, 65 milhões de hectares de terras públicas podem ser retirados do povo brasileiro e da União e repassados a grandes proprietários de terras, empresas do agronegócio e da mineração. Esses proprietários de terra não estão enquadrados em nenhuma regra socioeconômica para que possam ter acesso a este benefício. Eles não são aptos a nenhum programa social de Reforma Agrária”, afirmou.
Risco para indígenas e quilombolas
Em outro trecho, o projeto estabelece que órgãos como Funai, Incra e ICMBio terão prazo de apenas 180 dias, contados do início da consulta, para apresentar estudos técnicos conclusivos para barrar algum pedido de regularização, inclusive, de áreas que tenham a presença de comunidades tradicionais.
Organizações ambientais e de defesa dos povos originários e tradicionais argumentam que, principalmente em terras indígenas e quilombolas, muitos estudos estão em andamento e em fases iniciais. Esse prazo é uma forma de deixar os órgãos em um beco sem saída, porque, em razão da política de sucateamento e desmonte do próprio governo, não há condições e pessoal para concluir estudos conclusivos em 180 dias.
Fonte: com informações da CSP-Conlutas e ANDES-SN
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