Na semana em que se comemora o Dia Internacional dos Povos Indígenas (9 de agosto), o secretário-geral da Anistia Internacional, Salil Shetty, estará no município de Dourados (MS) para visitar o acampamento Apika’y e a Reserva Indígena de Dourados. O objetivo da visita, que acontece nesta quarta-feira (7), é conhecer de perto a realidade dos indígenas Guarani-Kaiowá e Terena, povos que enfrentam diversas situações de violência e violações aos seus direitos constitucionais adquiridos.
A visita a esses povos na missão de Shetty ao Brasil reflete a preocupação da Anistia Internacional com a grave realidade enfrentada pelos indígenas no país, especialmente no Mato Grosso do Sul, estado que apresenta os maiores índices de violência contra os indígenas. A não efetivação da demarcação das terras, declaradas pelos próprios órgãos do governo como indígenas, força comunidades inteiras a viverem de um jeito radicalmente diferente do que seria o seu modo de viver tradicional, desvinculados de seus valores culturais e sociais, e é também a principal causa dos conflitos fundiários com fazendeiros na região.
No dia 30 de maio, a imprensa de todo o país divulgou a morte do indígena Oziel Gabriel Terena ocorrida em uma tentativa de reintegração de posse da Terra Indígena Buriti, próxima ao município de Sidrolândia (MS). Após a retomada da terra, declarada em 2010 como de ocupação tradicional, houve confronto com a Polícia Federal e Oziel morreu devido a graves ferimentos de arma de fogo. Ainda não foram identificados os responsáveis pela sua morte.
Além do aumento da violência contra os povos indígenas, também vem ocorrendo no Brasil uma intensa ofensiva sobre os direitos indígenas, protagonizada principalmente pelos parlamentares ligados aos setores do agronegócio. Nesse sentido, uma série de proposições legislativas pretende alterar direitos indígenas garantidos na Constituição Federal.
Outro grave problema enfrentado pelos indígenas no Brasil é a implementação de megaprojetos de desenvolvimento sem a realização de consultas aos povos que serão afetados por estes empreendimentos. Esta atitude fere o direito ao consentimento livre, prévio e informado destes povos. Os direitos dos povos indígenas estão garantidos na Constituição Federal e no direito internacional. A principal demanda desta população é pela efetivação de direitos que já são reconhecidos pela legislação vigente.
Percurso da missão
Dourados é o epicentro do problema indígena do estado. De um lado, acampamentos de estrada e retomadas em territórios tradicionais onde incidem fazendas. Do outro, uma reserva indígena com o maior quadro de confinamento de populações tradicionais do país, e um dos contextos de maior violência e miséria do país.
Em sua visita ao acampamento Apikay, onde vivem hoje 15 famílias Guarani Kaiowá acampadas à beira de uma rodovia, Salil Shetty irá se reunir com a cacique Damiana, que assumiu a liderança do grupo após a morte de seu marido, atropelado na rodovia. Damiana já perdeu outros quatro familiares também por acidentes nas estradas, e um outro por envenenamento. O acampamento é ladeado por plantações de soja, milho e cana.
Em seguida, a comitiva irá para a aldeia Jaguapiru, que fica na Reserva de Dourados, onde se reunirá com lideranças do povo Kaiowá, Guarani, Terena e outras etnias. Nesta reserva, criada para acomodar indígenas que foram desalojados de suas terras no início do século 20, há a maior concentração de populações tradicionais por metro quadrado do Brasil.
O confinamento de aproximadamente 14 mil indígenas em um espaço de 3,6 mil hectares acaba resultando em diversos casos de violência, com alto índice de homicídios, além de casos de estupro, tráfico de drogas e violência policial. Eles também são vítimas de violência por parte dos fazendeiros locais, que vivem nas cercanias da reserva. Em fevereiro deste ano, o adolescente Guarani-Kaiowá Denilson Barbosa foi morto pelo fazendeiro Orlandino Gonçalves enquanto pescava em um rio, onde antes era o território tradicional de seu povo.
Haverá uma coletiva de imprensa, às 14h, na aldeia Jaguapiru, com lideranças indígenas e a participação de Salil Shetty.
Contexto das retomadas
No processo de criação das reservas indígenas pelo antigo órgão indigenista oficial brasileiro, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), os indígenas do Mato Grosso do Sul foram retirados de seus territórios tradicionais e confinados às pequenas reservas.
É do contexto da superlotação destes espaços que centenas de indígenas saem para reocupar seus antigos territórios tradicionais. Em protesto à morosidade do Estado em demarcar seus territórios, estes povos tradicionais vem realizando, nas últimas duas décadas, pequenas ocupações de suas terras originárias, onde hoje incide a produção de gado e monocultura da soja e da cana.
Neste cenário, as famílias estão submetidas à vulnerabilidade extrema da quase total ausência de segurança física, alimentar e aos cuidados básicos de saúde e educação mas, ainda assim, permanecem nesses territórios, num processo de resistência sem precedentes. Hoje, há pelo menos 40 acampamentos – ou “retomadas”, como chamam os indígenas – nas mesmas condições. Diversas lideranças indígenas foram assassinadas, e os crimes permanecem impunes.
Segundo dados dos relatórios de violência do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Mato Grosso do Sul é o maior foco de conflitos entre indígenas e fazendeiros no país. O estado concentra 57% dos assassinatos de indígenas de todo o território nacional, 319 de 564 de todos os casos registrados na última década. Desde 2005, o Mato Grosso do Sul lidera os índices de violência contra indígenas. Em 2012, 37 dos 61 assassinatos ocorreram no estado – todos ligados à disputa por terra.
Fonte: Brasil de Fato |