“Eu estava usando uma saia um pouco acima do joelho e fui altamente assediada”. “Eu estava passando pelo corredor e o professor achou que eu fosse assaltante”. “Sofri agressão por ser chefe mulher e o servidor não aceitar”. “Mulher bonita não tem competência, é promovida por causa da sua beleza”. “Por ser indígena tive minha identidade questionada e minha inteligência também”. “Busquei a coordenação do curso, disseram que o profissional tinha esse histórico [de assédio], porém era um grande profissional”. “A Universidade não fez nada a respeito”.
Estes foram alguns dos depoimentos de mulheres que participaram da pesquisa “Violência contra as mulheres na universidade: uma análise nas instituições de ensino superior no Amazonas”, que contou com a participação de 1.166 pessoas das comunidades acadêmicas das instituições públicas de ensino superior do estado: Instituto Federal do Amazonas (Ifam), Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
O estudo envolveu uma equipe multidisciplinar de pesquisadore(a)s, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e coordenado pela professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Milena Barroso, tendo como público-alvo estudantes, técnico(a)s, professore(a)s e funcionário(a)s terceirizado(a)s que estudam e trabalham nas principais instituições de ensino superior público do Amazonas.
Dados e metodologia
Participaram da pesquisa 1.166 pessoas da Ufam, Ifam e UEA, sendo 65% mulheres, 32% homens e um percentual de quase 2% que se identificaram como de outro gênero. Desse universo, 38% afirmam que foram vítimas de algum tipo de violência no espaço universitário nos últimos cinco anos. Outros 83% avaliam que é provável a ocorrência de algum tipo de violência na universidade durante os próximos seis meses.
Os resultados apontam também que mulheres e homens são vítimas de violência, no entanto, sua prática é predominantemente executada por homens, em um percentual que chega a mais de 85%.
Os registros são variados, vão desde assédio moral e sexual, estupro a discriminação social, racismo, xenofobia, homofobia, lesbofobia e transfobia.
A coleta de dados foi realizada em 2020 em etapas inter-relacionadas: visitas in loco, entrevistas com representantes de instituições de ensino superior e coleta de dados a partir de plataforma digital com 90% de confiança nos dados obtidos.
A metodologia contou também com a realização de um webnário sobre o tema.
Violência Institucional
Um dos principais resultados apontados pela pesquisa diz respeito à violência institucional sofrida pelas mulheres no espaço acadêmico. Segundo as pesquisadoras/es as relações hierárquicas e o funcionamento sexista das instituições naturalizam vários tipos de violência, o que, consequentemente, dificulta sua apreensão por parte das vítimas.
A naturalização da violência também é um problema apontado pelo estudo. A sala de aula é considerada, pela maioria do(a)s participantes da pesquisa, como o local mais violento para mulheres e homens na universidade.
Os resultados apontam que grande parte das vítimas não oficializa denúncia e os motivos estão relacionados ao medo, à vergonha e às limitações dos canais institucionais de comunicação.
"As violências são múltiplas na universidade, desde as mais diretas até outras que, de tão naturalizadas, se confundem com a própria instituição. Nesse sentido, nossa pesquisa é uma contribuição para as universidades pensarem em políticas de segurança e proteção às mulheres e à comunidade acadêmica no geral. A sensação de insegurança e a violência são alarmantes e se colocam como impeditivos importantes para o sucesso nos projetos e carreiras acadêmicas e profissionais”, explica a coordenadora da pesquisa, professora Milena Barroso.
Cartilha e Livro
Em alusão ao Dia Internacional das Mulheres, 8 de março, e ao mês de março, que concentra uma série de ações de resistência do movimento feminista e de mulheres em todo o
Brasil, a pesquisa será lançada em duas etapas: no dia 8 de março, serão divulgados os principais resultados; e, na última semana deste mês, será divulgada uma cartilha com os dados que sintetizam as informações da pesquisa.
A ideia é provocar a discussão mais ampla sobre a violência contra as mulheres nos espaços universitários, já que o Amazonas reflete uma realidade nacional.
"A pesquisa coordenada pela companheira, professora Milena Barroso, dialoga com as pautas do nosso sindicato e se aproxima de nossa luta contra o assédio na Universidade. Os dados confirmam aquilo que já lidamos no nosso cotidiano sindical e na realidade institucional: a violência contra as mulheres não se limita a espaços e perpassa todos os lugares, inclusive no espaço acadêmico e tem seus fundamentos nas relações desiguais de classe, raça e gênero”, explica Valmiene Farias Sousa, 2ª secretária da Adua Seção Sindical do ANDES-SN.
A iniciativa conta com o apoio da Associação dos Docentes da Ufam (Adua), que disponibilizará a versão digital do documento para download em seu site e distribuição de exemplares impressos para docentes da Ufam. Além disso, será publicado um livro com a participação de diversas autoras que estudam a violência contra as mulheres e se debruçaram sobre o sexismo no ambiente acadêmico. O lançamento do livro acontece ainda no primeiro semestre de 2021.
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