A Assessoria Jurídica da ADUA divulgou, na sexta-feira (19), análise sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32, a chamada Reforma Administrativa, apresentada pelo governo Bolsonaro em setembro de 2020. A medida prevê grandes alterações nas disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa, com diversas restrições em tópicos sensíveis aos servidores públicos, conforme o estudo.
Em função das alterações estão previstas uma série de regras de transição. O art. 2º da PEC nº 32 afirma que as medidas não atingirão os (as) servidores (as) investidos (as) em cargo efetivo até a data de entrada em vigor do novo regime jurídico. Já os (as) novos (as) servidores (as), serão regidos (as) por um novo regime jurídico.
Entre as modificações está o ingresso no serviço público. Atualmente, as formas de ingresso são: concurso público de provas e provas e títulos (cargos efetivos), Processo Seletivo Simplificado - PSS (temporários) e por livre nomeação. Com a PEC, o concurso continuará como forma de ingresso, mas também haverá um novo modelo de seleção simplificada, especialmente para os cargos de liderança e assessoramento.
Será criado, ainda, um novo sistema de vínculos jurídicos, em substituição ao Regime Jurídico Único (RJU), nos quais os cargos serão: por prazo determinado, por cargo de liderança e assessoramento, por tempo indeterminado, por cargo típico de Estado e de experiência.
O Vínculo de Experiência é uma espécie de alternativa ao atual estágio probatório. Trata-se de um período de experiência efetivo como etapa do concurso para ingresso em cargo por prazo indeterminado ou em cargo típico de Estado, na qual será feita uma classificação entre os (as) servidores (as) mais bem avaliados (as) para admissão, dentro do quantitativo previsto no edital do concurso.
O (A) servidor (a) ocupante do Cargo por Vínculo de Experiência será regido (a) por um novo regime jurídico de pessoal, com vinculação ao Regime de Previdência dos Servidores Públicos (RPPS). Isso ocorrerá durante o período em que o cargo estiver ocupado, que será determinado de acordo com o cargo previsto na seleção do concurso público.
O Cargo Por Prazo Determinado é semelhante aos regidos pela Lei nº 8.745/1995. A contratação será feita por PSS, e atenderá a necessidade temporária decorrente de calamidade, emergência, paralisação em atividades essenciais ou de acúmulo transitório de serviço, bem como atividades, projeto ou necessidades de caráter temporário ou sazonal e atividades ou procedimentos sob demanda. Serão segurados pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), não terão direito à estabilidade, não exigirá período de cargo por vínculo de experiência, e o ingresso será mediante PSS e análise curricular.
O Cargo de Liderança e Assessoramento será o correspondente aos atuais comissionados e funções de confiança, abrangendo quaisquer posições que justifiquem a criação de um posto de trabalho com atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas. Serão segurados pelo RGPS, não será exigida a permanência no vínculo de experiência e não terão estabilidade.
Os Cargos Por Tempo Indeterminado preveem a ocupação do Cargo de Vínculo de Experiência por, no mínimo, um ano, com desempenho satisfatório. Sendo admitido, o (a) servidor (a) será regido por legislação própria, independente do atual Regime Jurídico Único (RJU) e sem relação com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sem direito à estabilidade e com vinculação ao Regime de Previdência dos Servidores Públicos (RPPS).
Os Cargos Típicos de Estado possuem garantias, prerrogativas e deveres diferenciados, sendo restritos aos (às) servidores (as) que tenham como atribuição o desempenho de atividades que são próprias do Estado, finalísticas e indispensáveis para a existência ou representação do Estado. Terá direito à estabilidade ao permanecer um ano em efetivo exercício no cargo, após o término do vínculo de experiência de, no mínimo, dois anos e será vinculado ao RPPS.
Estabilidade e exoneração
“É possível perceber, pela descrição dos cargos, as mudanças que foram feitas em termos de estabilidade. Apesar do instituto da estabilidade ser amplamente conhecido pela doutrina e jurisprudência, a PEC propõe alterações relativas à exoneração do servidor e da servidora. Apenas os Cargos Típicos de Estado foram elencados como detentores do direito à estabilidade, afastando o direito dos demais cargos”, comentou a assessora jurídica.
Pela PEC, há dois caminhos para a exoneração: 1) para servidores (as) de Cargos Típicos de Estado, a exoneração só poderá ocorrer após decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, ainda que passível de recurso, bem como por condenação em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e avaliação periódica de desempenho considerada insatisfatória. E 2) em relação aos (às) servidores (as) dos demais cargos, terão suas condições de perda estabelecidas em lei, o que desconstitucionalizou a matéria e conferiu maior autonomia ao legislador.
Conforme o art. 39, II e IV, tanto a gestão de pessoas quanto à organização da força de trabalho no serviço público serão temas objeto de regulamentação posterior por lei complementar. Também foram propostas alterações no art. 40, dando à lei ordinária a tarefa de regulamentar as hipóteses de exoneração por insuficiência de desempenho e sobre demais condições de perda.
Além disso, existe previsão para que seja feita a regulamentação relativa à avaliação periódica de desempenho, que já consta na redação atual do art. 41 da Constituição Federal como uma das causas de perda de cargo do servidor público estável, caso seja considerada insatisfatória.
Acumulação de cargos e concessões
Quanto à acumulação de cargos, a PEC prevê a possibilidade de acumulação para todos (as) os (as) servidores (as), sem limitação do número de cargos, sendo necessário observar apenas a compatibilidade de horário e a necessidade de não haver conflito de interesse. A exceção refere-se aos (às) servidores (as) de Cargos Típicos de Estado, aos quais é vedada a realização de outra atividade remunerada e acumulação de cargos públicos, exceto o exercício da docência e atividades regulamentadas de saúde.
A PEC 32 também propõe diversas vedações quanto à concessão de vantagens aos (às) servidores (as) ou empregados (as) públicos (as) vinculados à Administração Pública direta ou às autarquias fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, ao incluir o inciso XXIII na redação atual do art. 32, da Constituição.
Assim, ficam vedadas a concessão de: a) Férias em período superior a trinta dias, pelo período aquisitivo de 1 ano; b) Adicional de tempo de serviço; c) Aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos; d) Licença-prêmio, licença-assiduidade ou qualquer outra licença decorrente de tempo de serviço, estando mantida a licença para fins de capacitação dentro dos limites da lei; e) Redução da jornada sem a correspondente redução da remuneração, exceto se decorrente de limitação de saúde; f) Aposentadoria compulsória como modalidade de punição ao servidor; g) Adicional ou indenização por substituição, independentemente da denominação adotada, ressalva a efetiva substituição de cargo em comissão, função de confiança e cargo de liderança e assessoramento; h) Progresso ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço; i) Parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos ou valores definidos em lei; j) Incorporação, total ou parcial, da remuneração de cargo em comissão, função de confiança ou cargo de liderança e assessoramento ao cargo efetivo ou emprego permanente ocupado pelo servidor.
“Embora a maioria das referidas verbas já não seja aplicada aos servidores e as servidoras federais, o objetivo da PEC é uniformizar as normas existentes sobre os referidos assuntos entre as esferas federais, distritais, estaduais e municipais, já que algumas legislações preveem a possibilidade de um tempo maior de férias, por exemplo”, explicou a assessoria.
O jurídico da ADUA esclarece também que, embora esteja previsto que as medidas irão abranger apenas os (as) servidores (as) que ingressarem no serviço público a partir da promulgação da PEC, algumas delas poderiam afetar o funcionalismo público atual, como, por exemplo, a perda da estabilidade em razão de desempenho insatisfatório e o fim da progressão por tempo de serviço. As disposições sobre isso só devem ser tratadas posteriormente, quando forem feitas as regulamentações necessárias.
Docência: férias e licenças
A PEC determina que nenhum (a) servidor (a) terá mais de 30 dias de férias. Mas, os (as) docentes que atuam em instituições federais de ensino atualmente seguem a disposição da Lei nº 12.772/2012, que em seu art. 36 afirma que aos “servidores ocupantes de cargos efetivos pertencentes ao Plano de Careiras e Cargos de Magistério Federal serão concedidos 45 dias de férias anuais, que poderão ser gozadas parceladamente”.
Caso a PEC seja aprovada, os (as) docentes que ingressarem após a promulgação serão afetados (as) pelo novo regramento, que prevê apenas 30 dias de férias. “Tal situação acabaria gerando insegurança jurídica no ambiente, tendo em vista que seria possível ter servidores (as) ocupando o mesmo cargo sendo tratados de forma diferente”, explica Auxiliadora Bicharra.
O art. 2º, II, da PEC prevê, ainda, a possibilidade de alteração e revogação das leis específicas que tratam sobre a vedação de concessão de vantagens. Dessa forma, caso as leis específicas que tratem acerca daqueles temas for alterada ou revogada, a nova legislação passaria a atingir os (as) servidores (as) novos e atuais.
“Em relação às medidas relativas às licenças e afastamentos de servidores, como o texto não faz distinção, é possível que elas sejam aplicadas a todos os servidores e a todas as servidoras. Da mesma forma, podem trazer alterações para os e as docentes, considerando que muitos solicitam afastamentos e licenças para realização de capacitação”, comentou a assessora.
Processo
A Reforma aguarda, desde 8 de fevereiro deste ano, designação do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. Após o tramite na CCJC, o texto será analisado por uma comissão especial e, posteriormente, apreciado pelo Plenário da Câmara. A PEC é aprovada se obtiver 308 votos ou mais entre os 513 deputados. A tramitação no Senado é semelhante, com exceção da necessidade de uma comissão especial.
Se aprovada, o governo precisará encaminhar Projetos de Lei (PLs) para regulamentar as novas diretrizes. Esses projetos envolvem, por exemplo, a gestão de desempenho, as diretrizes de carreira e a consolidação de cargos unções e gratificações.
Após essa etapa, será enviado o Projeto de Lei Complementar (PLC) para substituir a atual legislação, aprovada em 1990, e instituir um novo marco regulatório das carreiras, governança remuneratória e direitos e deveres.
“Não há um prazo específico para que as fases de implementação ocorram, de forma que o ritmo das ações dependerá do tempo em que o Congresso levará para aprovar a PEC”, explica a advogada da ADUA.
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Fonte: com informações da Assessoria Jurídica da ADUA
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