Plano sanitário das universidades federais brasileiras, intervenção do governo nas instituições federais de ensino superior e greve sanitária. Esses foram alguns dos temas discutidos com a presidente do ANDES-SN, Rivânia Moura.
Em entrevista à ADUA, a docente comentou também sobre a conjuntura nacional permeada por calamidade sanitária, colapso das unidades de saúde, 14 milhões de desempregados, suspensão do auxílio emergencial e a necropolítica do governo Bolsonaro. Confira!
A greve sanitária foi aprovada no 9º Conad Extraordinário no caso de o governo Bolsonaro insistir no retorno presencial das aulas já no início de março. Sabe-se que a greve sanitária é para evitar que os/as trabalhadores/as das IFES corram riscos à sua saúde ou segurança. Qual é a perspectiva de formato da greve? A ideia é realizar uma ação conjunta com outras instituições e categorias?
Rivânia: Em setembro de 2020 quando o 9º Conad Extraordinário foi realizado não tínhamos nenhuma perspectiva sobre a vacina para a imunização ao novo coronavírus. Naquele momento, o Conad, a partir das deliberações das assembleias de base, aprovou “que o ANDES-SN, via seções sindicais, lute contra o retorno às atividades presenciais sem a garantia das devidas condições sanitárias para tal, construindo com as demais categorias do Setor da Educação uma greve sanitária em defesa da vida”.
De setembro para cá, apesar do curto tempo, algumas coisas se alteraram. O conjunto da classe trabalhadora está ainda mais desalentada e precarizada, com o aumento do desemprego, o agravamento da recessão econômica, o fim do auxílio emergencial e com o absoluto desprezo a vida que o governo federal e seus seguidores vem demonstrando com a falta de planejamento para a imunização da população, com a insistente manutenção de áreas não essenciais abertas.
Avaliamos que a construção da greve sanitária só deve acontecer considerando esse contexto e em especial a possibilidade de construção unitária com outras categorias do setor da educação. Esse é o debate que a categoria deve fazer nas assembleias de base que devem ser convocadas até o início de fevereiro para que as seções sindicais possam levar suas posições para a reunião conjunta entre o Setor das Federais, Estaduais e Municipais das instituições de ensino que compõem a base do Sindicato Nacional. Portanto, essa é uma deliberação sob avaliação da categoria.
Nesse momento avaliamos que o mais urgente é fortalecer a campanha Vacina já para todos e todas, participar das mobilizações que estão sendo construídas e exigir, como também deliberado no 9º Conad, a estruturação das instituições de ensino para o momento em que tivermos vacina ser possível retornar as atividades presenciais.
Com uma nova onda da pandemia comprometendo a circulação e a aglomeração de pessoas, este é o momento certo para se deflagrar a greve sanitária? Por quais motivos?
Rivânia: Essa é uma questão central para nós. Para o Sindicato Nacional greve sempre foi de ocupação e mobilização e nessa conjuntura sanitária não temos como convocar a categoria para atividades que aglomerem. O outro elemento é o da necessária construção da unidade com outros setores da educação, o que no momento não parece ser possível, já que a agenda prioritária é a campanha Vacina para todos e todas e o Fora Bolsonaro. O negacionismo do governo federal tratou com descaso a pandemia desde o seu início o que significou um agravamento e expansão do contágio sem controle no Brasil. Estamos há quase um ano de pandemia em nosso país e não tivemos ações efetivas e coordenadas em âmbito nacional que preservassem vidas. Ao contrário, o governo foi pautado sempre pela pressão do capital para manter os setores produtivos e o comércio funcionando mesmo nos momentos de alto contágio do coronavírus. Essa situação explodiu no estado do Amazonas com a falta de oxigênio e as mortes por asfixia que demonstrou de forma mais trágica o descaso e negacionismo do governo no combate a pandemia. É inadmissível o que tem sido vivenciado em Manaus e outras cidades por pessoas lutando pela vida, profissionais de saúde trabalhando dia e noite em condições precárias, pessoas sendo transferidas para hospitais de outras cidades em busca de salvar vidas. O agravamento dessa conjuntura levou a mobilização de diversos setores, movimentos sociais, partidos, sindicatos, centrais sindicais, frentes e fóruns para exigir o impeachment do presidente. Essa pauta junto com a luta pela vacina para todos e todas tem se apresentado como a questão mais urgente e necessária. Por isso, pensar a greve sanitária nos exige construir com os setores da educação ações de enfrentamento a essa conjuntura.
A última reunião dos setores das IFES e IEES/IMES do ANDES-SN encaminhou que as Seções Sindicais realizem assembleias para discutir a efetivação da greve sanitária, cobrando a construção de um Plano Sanitário e Educacional. Você tem conhecimento se já há instituições que elaboraram esse plano? Como é o cenário atual?”
Rivânia: Esperamos que na reunião conjunta dos setores, em início de fevereiro, as seções sindicais tragam um panorama dessa situação. Até o momento, o que temos conhecimento, é que algumas instituições de ensino, em especial as federais, começam já a sentir os impactos do novo corte de verbas para a educação previsto para 2021. Sem recursos como será possível construir um plano sanitário? Teremos que nos mobilizar, de forma mais enfática, contra os cortes no orçamento da educação. O projeto de Lei Orçamentária Anual, ainda em tramitação, prevê um corte na ordem de 18% nos recursos para educação em particular na rubrica para custeio. Isso significa inviabilizar o funcionamento das universidades e institutos que não terão condições de arcar com custos básicos como água e luz, manter os serviços de segurança e limpeza e, principalmente, garantir assistência estudantil. O dinheiro repassado para as universidades federais e institutos agora em janeiro de 2021 representa aproximadamente 2% orçamento anual e com isso não é possível manter o funcionamento das instituições de ensino. É imprescindível intensificar a luta em defesa da educação que nesse momento passa fundamentalmente pela luta por orçamento.
Estamos enfrentando um forte ataque à autonomia universitária quando o governo federal desrespeita o resultado das eleições para reitor e impõe nomes que não foram vencedores ou até mesmo participaram da disputa. A mobilização para reverter esse ataque à democracia, integrado pelo ANDES-SN, não tem conseguido frear substancialmente esses desmandos. Como será possível construir a greve (de ocupação) sanitária nas IFES com todas essas dificuldades?
Rivânia: Essa questão do ataque a autonomia é de fato muito séria e o ANDES tem envidado muitos esforços para construir a luta em unidade com as demais entidades da educação. Tivemos várias ações políticas de enfrentamento em 2020 em defesa da autonomia e democracia para garantir que a escolha na unidade acadêmica seja respeitada. Consideramos que o processo de intervenção do governo federal nas universidades e institutos está ancorado no projeto de desmonte da educação pública, pois tem sido frequente o relato de processos administrativos e até criminais impetrados pelos/as interventores/as contra professores, técnicos administrativos e estudantes que se posicionem contrários as intervenções e os ataques de Bolsonaro à educação. Além das ações políticas o ANDES participa de todas as ações judiciais das universidades, institutos e junto ao STF para garantir que os/as reitores/as eleitos/as sejam empossados. Essa tem sido uma luta difícil, mas que devemos intensificar em 2021, já que diversas universidades e institutos terão eleições este ano. Compreendemos ainda que a defesa da autonomia não pode ficar restrita as instituições que hoje estão com interventores/as, ela precisa ser de todas as entidades da educação nacionalmente. Realmente não tem sido fácil obter ganhos com esse governo, mas continuaremos em luta. Construir a greve sanitária deve ser um processo que leve em consideração o momento que estamos vivendo, o agravamento da pandemia, a falta de estrutura das nossas IFES para um retorno presencial e a condição de financiamento público para universidade pública. Portanto, o movimento de greve deve ser construído com base nessa conjuntura de extrema excepcionalidade que estamos vivendo.
Como analisa o cenário político atual para a construção de estratégias de combate ao estado da necropolítica do governo Bolsonaro?
Rivânia: O enfrentamento ao governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro só pode ser combatido com ampla unidade e nas ruas. Nesse momento, em que estamos impedidos de aglomerar nas ruas, pois defendemos a vida, temos que ampliar nossas formas de mobilização, como as carreatas, atividades na internet, denúncias aos organismos internacionais e avanço na unidade entre as instituições para nos fortalecer para o retorno às ruas tão logo tenhamos vacina para todos e todas. Construir, ainda no momento da pandemia e de necessidade de isolamento social, as bases para a frente ampla de combate à política da morte do governo Bolsonaro.
Fonte: ADUA
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