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  25/03/2020



Cumprimentando-os cordialmente, vimos, por intermédio da presente Nota Técnica, em atenção à solicitação feita a esta Assessoria Jurídica Nacional, apresentar análise preliminar acerca de alguns dos normativos editados em função da pandemia do Novo Coronavírus pelo Ministério da Economia e pelo Ministério da Educação, com medidas para mitigação da contaminação e tentativa de manutenção das atividades da Administração Federal.

 

A análise tem como foco a Portaria nº. 343, de 17 de março de 2020, que autoriza o ensino à distância, de forma excepcional, às instituições de ensino superior, além da Instrução Normativa nº. 19, de 12 de março de 2020, com as alterações promovidas pela Instrução Normativa nº. 21, de 16 de março de 2020, e do Ofício Circular SEI nº. 971/2020/ME, que tratam de medidas administrativas relativas a eventuais afastamentos para regime de teletrabalho e de suspensão de algumas atividades no âmbito do Poder Executivo Federal.

 

O importante, desde o início, é identificar que todas as medidas em questão são excepcionais e, em razão disso, possuem aplicabilidade limitada ao período em que perdurar a pandemia, ao menos no estágio atual de necessário isolamento das pessoas, como forma prioritária de contenção do contágio.

 

Todavia, cumpre consignar que a adoção das medidas estabelecidas na Portaria nº 343/20 vão de encontro ao que está previsto no art. 471 , § 3º, da Lei nº 9.394, de 20.12.96, que prevê no ensino superior a frequência obrigatória de alunos e professores, salvo nos cursos à distância.

 

Ao autorizar a substituição das disciplinas presenciais em andamento por aulas que utilizem meios e tecnologia de informação e comunicação, a Portaria nº 343/20 viola expressamente essa disposição legal, e por sua vez o Princípio da Legalidade, insculpido nos arts. 5º, II e 37, da Constituição.

 

A implementação dessa medida certamente trará prejuízos à igualdade de condições como forma de assegurar o acesso ao direito fundamental básico à educação. Como garantir em um país com desigualdades tão presentes, que os discentes e até mesmo os docentes tenham assegurados os mecanismos necessários (internet, computadores, tablets ou notebooks) que permitam um acesso efetivo ao ensino?

 

É que para essa modalidade de ensino há a necessidade de infraestrutura de tecnologia adequada, o que certamente várias IFEs não dispõem, além das qualificações necessárias do corpo docente para a formulação de cursos na modalidade.

 

A modalidade de ensino à distância não se configura numa simples gravação em vídeo ou conversão em texto daquilo que seria trabalhado presencialmente, de modo que, sem a capacitação específica do docente para tanto, é possível que a simples determinação de conversão em ensino à distância seja danosa ao ambiente de aprendizado.

 

Há, ainda, as disciplinas que possuem uma maior carga de atividades práticas que serão fatalmente prejudicadas em eventual adoção da modalidade a distância. Nesses casos, a oferta do curso ficaria inviabilizada se mantido o calendário regular, com mera adoção do ensino à distância, a gerar efetivos prejuízos aos docentes de tais disciplinas e, naturalmente, aos discentes.

 

Não é de se desconsiderar, ainda, que o momento atual pode levar aqueles que possuem filhos ou parentes infectados e, ainda, aqueles que estejam classificados como grupos de risco à contaminação do Novo Coronavírus, a um estado físico e/ou psíquico/psicológico de incapacidade para seguir com as atividades acadêmicas de modo regular, o que novamente atentaria contra o direito de efetivo acesso à educação.

 

Outra medida a ser analisada, ainda, é aquela apontada pelo Ministério da Economia na Instrução Normativa nº. 19, de 12 de março de 2020, alterada pela Instrução Normativa nº. 21, de 16 de março de 2020.

 

Nesse caso, as medidas têm aplicabilidade a todo o Poder Executivo Federal, em razão da expressa menção ao Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal – SIPEC no texto normativo. As medidas ali adotadas, como se nota, são medidas de restrição de viagens e de reuniões, bem como a previsão da adoção do regime de teletrabalho e a sua regulamentação.

 

Quanto a esta regulamentação é razoável e inserta no poder discricionário da Administração a determinação de suspensão de viagens internacionais e, eventualmente, de viagens nacionais de autoridades ou servidores, ante o fato de que o isolamento tem se mostrado, em todo o mundo, a medida mais eficaz de combate à contaminação, neste momento. O mesmo se aplica à restrição de reuniões e à determinação da sua realização por meio de videoconferência, quando possível.

 

A adoção das medidas de determinação de teletrabalho para servidores e empregados públicos com sessenta anos ou mais, imunodeficientes ou com doenças crônicas preexistentes, responsáveis pelo cuidado de alguém com suspeita ou infectado pelo COVID-19, para as servidoras gestantes ou lactantes ou para os pais e mães, nos Estados em que estejam suspensas as atividades escolares em escolas ou creches, não parece transbordar, também, a razoabilidade ou os limites da discricionariedade administrativa.

 

A ausência de razoabilidade pode ser discutida, porém, no caso em que a norma autoriza o regime de teletrabalho a apenas um dos pais de filhos que estejam com atividades escolares suspensas ou quando autoriza a eventual adoção de jornada em turnos alternados de revezamento, apenas em razão do fato de que a manutenção da atividade laboral, no momento atual, implica risco à saúde do próprio servidor. Ora, se é geral a determinação de isolamento, para minoração dos efeitos da contaminação, é no mínimo questionável a determinação de manutenção no trabalho de alguns servidores, eis que, ainda que menor, ainda há risco de contágio.

 

Nas mesmas instruções normativas há alguns formulários criados para o controle daqueles servidores que estão afastados presencialmente dos trabalhos. Tais documentos configuram declarações de condição específica, com a finalidade inicial de mera formalização dos regimes de teletrabalho e, para esta finalidade, se mostram também razoáveis. Há, porém, que se manter observação sobre a eventual utilização das declarações para quaisquer outras finalidades, no momento atual ou posteriormente, eis que elas não podem configurar fundamento para qualquer restrição de direitos do servidor, em especial quanto a corte ou diminuição de remuneração, aferição de “presença” ou controle de jornada.

 

Nesse mesmo sentido, então, segue a análise do Ofício Circular SEI nº. 971/2020/ME. A elaboração de relatórios gerenciais que possam informar a quantidade de servidores que adotaram o regime de teletrabalho, nas modalidades previstas nas Instruções Normativas nº. 19 e 21, é medida de razoabilidade do ponto de vista da gestão administrativa.

 

Apesar disso, é fundamental que seja observado se, juntamente com a mera medida de gestão, há uma tentativa de estabelecimento algum tipo de medida de controle indevido sobre os servidores públicos que, no momento, apenas se afastam das suas lotações para eventual trabalho remoto em razão da situação excepcional de saúde pública, de modo que vedada qualquer utilização dos dados colhidos para fins de penalização de servidores ou de restrição posterior de direitos.

 

A pandemia do Coronavírus alterou, substancialmente, o modo de viver de toda a humanidade. Não sabemos a extensão e o tempo necessário para lidar com esse novo cenário, principalmente se considerarmos que as medidas sanitárias do governo federal têm sido discrepantes em relação ao que se viu no restante do mundo. As medidas adotadas por outros governos têm como finalidade lidar com os desafios de um novo vírus altamente contagioso, com letalidade relevante, principalmente quando adquirido por pessoas classificadas nos grupos de risco, mas também muitíssimo preocupante para o restante da população e para os sistemas de saúde.

 

Portanto, talsituação não pode ser utilizada como pretexto para a formatação de ferramentas de controle que ultrapassem os limites da razoabilidade e que tenham qualquer outro objetivo além de informar a alta Administração dos órgãos e entidades acerca do comportamento atual dos seus servidores, como forma, unicamente, de buscar soluções de continuidade à atuação estatal em meio à crise atual de saúde pública, na medida das possibilidades, cujo objetivo deve se pautar pelos serviços básicos indispensáveis ao interesse público.

 

Sendo o que tínhamos para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários.

 

Atenciosamente,

Leandro Madureira Silva OAB/DF nº 24.298

Rodrigo Peres Torelly OAB/DF nº 12.557

Danilo Prudente Lima OAB/DF nº 42.790

 

Assessoria Jurídica Nacional






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