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  14/03/2017 - por



A violência histórica na sociedade brasileira



Data: 14/03/2017

Os colonizadores europeus – portugueses, espanhóis, ingleses, franceses, holandeses, belgas – invadiram  territórios da Ásia,  África e da América, norteados por ideias preconcebidas em relação às populações que viviam nesses continentes.

Por considerarem  inferiores, bárbaros e selvagens os seres humanos que viviam nas terras invadidas e suas culturas, os colonizadores europeus arrogaram-se o direito de se apropriarem  das terras invadidas com o objetivo de explorarem os recursos materiais e humanos dessas terras.

Para isso, utilizaram-se de armas de fogo e de ensinamentos supostamente cristãos, desconhecidos dos povos que viviam nas terras invadidas, para realizarem massacres, genocídios, decapitações, esquartejamentos de todos os colonizados que se recusassem a aceitar as práticas civilizatórias e religiosas, impostas pelos colonizadores.

O escritor medieval Luís de Camões ilustra bem o comportamento dos colonizadores em geral, embora ele louve especialmente os colonizadores portugueses em  sua epopeia denominada “Os Lusíadas”. Neste livro, os portugueses são considerados gentes boas e os colonizados, gentes ruins. A cultura portuguesa é boa e a cultura dos colonizados, ruim. As barbaridades e as selvagerias dos portugueses são consideradas heroicas e meritórias e as dos colonizados, terríveis e atrozes.

No Brasil, no século XVI, os colonizadores portugueses trouxeram arcabuzes, inquisidores, padres, ordens religiosas e as leis manuelinas, joaninas e filipinas, que discriminavam negativamente ateus, judeus, ciganos, índios, africanos negros, muçulmanos como gentes sujas, não merecedoras de consideração e de direitos do reino português, mas que deveriam respeitar e cumprir os deveres impostos a eles.

As ordens religiosas organizaram campos onde concentravam os índios (crianças e adultos), ensinando-lhes os costumes e comportamentos que deveriam adotar para se tornarem trabalhadores civilizados. Os índios que reagiram ou se rebelaram contra essa domesticação foram mortos ou escravizados através de guerras justas ou guerra aos bárbaros, previstas nas leis elaboradas pelos reis portugueses.

Desse modo, através da violência e da domesticação, os índios se tornaram trabalhadores e escravos suprindo Portugal de pau brasil, drogas do sertão, especiarias e ainda foram forçados a trabalharem nas primeiras plantações e engenhos de açúcar.

Ao ampliarem  investimentos em plantações de cana e de engenhos de açúcar, os portugueses trouxeram africanos negros para o Brasil e obrigaram-nos a trabalharem à força. Os negros africanos e brasileiros ainda foram empregados à força nas plantações de tabaco, de cacau, de café e na mineração.

Em todo o período colonial e no período imperial, as autoridades jurídicas e policiais perseguiram e puniram índios e negros rebeldes ou que se recusassem a trabalhar eficientemente nas plantações e nos engenhos, torturando-os, deportando-os, matando-os, degolando-os, esquartejando-os. Não somente índios e negros foram punidos bárbara ou selvagemente,  também  foram  punidos dessa forma homens livres, incluindo altos funcionários brasileiros e portugueses que se rebelaram contra as determinações das autoridades reinóis.
 
Em resumo, o Brasil foi fundado,  estruturado e consolidado através da violência bárbara e selvagem perpetrada pelos colonizadores portugueses, pelas autoridades políticas, jurídicas, militares (incluindo bandeirantes) e policiais, brasileiras e portuguesas, a serviço das classes privilegiadas de Portugal (até 1822).
 
O estado burocrático de direito, construído, a partir de 1549, no Brasil, para garantir a expropriação das terras indígenas, a exploração do trabalho forçado dos indígenas e africanos e a submissão e o respeito dos súditos portugueses e luso-brasileiros às diretrizes políticas estabelecidas pelas cortes portuguesas, era administrado, inicialmente, por funcionários portugueses (governadores gerais, vice-reis, militares, auditores, juízes e seus auxiliares), tendo, depois, muitos desses funcionários (a maioria constituída de mamelucos) nascidos no Brasil.

A partir de 1822, declarada a independência do Brasil de Portugal, o estado burocrático de direito passou a ser administrado para atender os interesses comerciais e industriais da Inglaterra, a nação amiga, que apadrinhara a iniciativa de independência de setores escravagistas brasileiros. Por conseguinte, os traficantes e os senhores de escravos brasileiros entraram em conflito com os projetos políticos de D. Pedro I, acusado de beneficiar comerciantes estrangeiros (portugueses e ingleses) que começaram a instalar negócios em várias cidades do país (Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Belém, Manaus). Além disso, D. Pedro I propunha em sua constituição que nenhuma condenação à morte de qualquer pessoa (livre ou escrava) poderia ser executada sem pedido obrigatório de graça ao imperador; proibia açoites, torturas e todas as penas cruéis aos escravos; concedia cidadania aos negros libertos e sugeriu concessão de terras a colonos europeus. José Bonifácio, entre outras propostas, defendeu que o estado concedesse terra e implementos aos negros libertos. Pressionado, D. Pedro renunciou e partiu para Portugal. José Bonifácio também foi forçado a exilar-se.

 A partir de então, os senhores e traficantes de escravos conseguiram transformar o estado burocrático de direito brasileiro numa feitoria administrada pelas classes favorecidas locais em benefício dos interesses das classes privilegiadas (comerciantes e industriais ingleses), apesar desses interesses conflitarem com os mesquinhos interesses dos senhores e traficantes de escravos. Em consequência, as medidas e as propostas de D. Pedro I e de José Bonifácio foram revogadas ou ignoradas e as autoridades políticas, jurídicas e policiais continuaram perseguindo, punindo violentamente índios, negros e mestiços (escravos e livres) e homens livres considerados rebeldes ou malfeitores. Nesse período, revoltas populares (Cabanagem, Cabanada, Sabinada, Balaiada) foram reprimidas pelo exército, pela polícia e pela Guarda Nacional por pretenderem melhorias de condições de vida e de trabalho através de reformas (política, agrária). Os traficantes e os senhores de escravos aprovaram, em 1850, a Lei da Terra, estabelecendo que a aquisição de terra só poderia ser feita através de compra ao governo imperial, dificultando, desse modo, o acesso à terra aos escravos e aos homens livres (índios, mestiços, negros, brancos e imigrantes europeus).

A sociedade brasileira independente continuou excludente e violenta com relação a maioria da população. Os escravos libertos em 1888 foram lançados na marginalidade. Em 1889, os senhores de escravos proclamam a república, sem a participação popular e conformaram o estado burocrático de direito aos seus interesses imediatos (manutenção de latifúndios, exploração violenta dos trabalhadores imigrantes, negros, índios, mestiços (mulatos, mamelucos, cafuzos etc), tornando o país exportador de produtos agrícolas (café, cacau, borracha) e de matérias primas e importador de produtos industrializados. O sistema político, jurídico e policial reprimia violentamente negros, índios, mestiços e imigrantes italianos, portugueses e espanhóis que se recusavam a serem tratados como escravos. Imigrantes italianos foram expulsos por tentarem organizar sindicatos para defender os interesses dos trabalhadores.
 
Ao longo do período republicano, a polícia perseguiu, torturou ou matou trabalhadores, favelados, detentos, praticantes de religiões africanas com a complacência de secretários de segurança, ministros da justiça e de juízes que se resumiam a prometer fazer investigações e sindicâncias jamais concluídas. Nessa conjuntura, latifundiários assassinaram trabalhadores sem terra, homens mataram mulheres em nome da sua honra, os índios tiveram suas terras invadidas e alguns foram assassinados, sindicalistas, advogados, juízes, políticos que criticaram as injustiças, as desigualdades e a corrupção estrutural na sociedade foram perseguidos e até mortos, detentos foram mortos nas prisões, grupos de extermínio têm atuado impunemente em todo país e uma parcela significativa da população sempre aceitava essas anomalias com naturalidade.
 
Um escritor negro, Paulo Lins, escreveu um romance “Cidade de deus”, no qual focaliza as histórias de criminosos residentes num conjunto popular no Rio de Janeiro. O romance narra histórias de meninos pobres que se tornam criminosos, vendedores e consumidores de drogas, rotulados erroneamente de traficantes, que cometem assassinatos e são, por sua vez, assassinados. O livro foi saudado e aplaudido por intelectuais hipócritas porque, em nenhum momento, o autor relacionou o contexto do referido conjunto residencial com o contexto colonial, social, histórico e cultural da sociedade brasileira que produziu e estigmatizou as periferias criadas por ela.
 
Uma outra hipocrisia professada por alguns intelectuais e “revolucionários de esquerda” é pensar ou imaginar que a violência, a perseguição, a tortura e o assassinato nas prisões só ocorreram em um período da história do Brasil, mais precisamente, por ocasião do golpe militar de 1964.

Enquanto isso, as autoridades políticas, jurídicas e policiais atuais continuam preocupadas com a saúde e o bem estar da política econômica e social para atender os interesses mercantis das classes privilegiadas internacionais como se o papel dessas autoridades fosse manter a ordem e o progresso da periferia do capitalismo.

Isaac Warden Lewis é professor aposentado da Faced/Ufam e ex-presidente da ADUA.



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